Samara Borges é registradora civil em Santo Estevão e tabeliã interina em Antônio Cardoso, na Bahia
A estrutura remuneratória da atividade registral no país ganha destaque com a publicação do Provimento de N° 81 da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), em 06 de dezembro de 2018. Desde então, é efervescente e ascendente o debate acerca da importância da renda mínima para a manutenção dos serviços prestados pelos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). Em face de desequilíbrios remuneratórios entre os diferentes ofícios do país, a renda mínima surge como um garantidor na manutenção dos serviços prestados pelo RCPN à população, sendo através dela que se estabelece em Lei uma sustentabilidade financeira para cartórios deficitários, de modo que garantem a continuidade e eficiência na prestação de serviços.
Em entrevista exclusiva à Arpen/BA, Samara Borges explicou em detalhes a política de renda mínima para a manutenção dos serviços prestados pelos cartórios de RCPN. Conforme Samara destacou, a renda mínima é destinada àqueles cartórios que não atingiram o valor mínimo legal estabelecido para o seu adequado funcionamento. Em conversa, a registradora explicou que, no caso do estado baiano, a renda corresponde a pouco mais de 12 salários mínimos, sendo o cálculo feito a partir do quanto foi arrecadado pela serventia, conforme verificação do Fundo de Compensação (Fecom).
“Caso a arrecadação não ultrapasse a renda mínima estabelecida, a complementação é feita. Embora tenha o Conselho Nacional de Justiça, através do Provimento 81, estabelecido a obrigatoriedade de uma renda mínima para os registradores civis das pessoas naturais, cada Tribunal de Justiça deve estabelecer a forma como referido pagamento funcionará em seu Estado, sendo que as realidades são muito distintas nacionalmente, tanto a nível de arrecadação, como de valores estabelecidos para renda mínima do delegatário”, explicou.
“Esse é um tema que merece atenção dos tribunais e um trabalho árduo de conscientização da população, à medida em que se entenda que a instituição e atualização da renda mínima das serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais é de extrema importância para garantir um equilíbrio econômico e financeiro das serventias de registro civil, e tem relação direta à adequada prestação de serviço à sociedade. Uma renda mínima digna corresponde à valorização da nossa atividade, tão significativa para o exercício da cidadania e de natureza indispensável”, concluiu a registradora baiana.
Samara Borges é registradora civil titular do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Santo Estevão/BA e registradora civil e tabeliã interina do Cartório de Registro Civil com Funções Notariais de Antônio Cardoso/BA. Mestre em Família, pós-graduada em Direito Administrativo e em Direito Público.
Confira abaixo a entrevista completa:
- O que se considera renda mínima e qual sua finalidade para os cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais?
Desde a privatização das serventias extrajudiciais no Brasil, os cartórios passaram a ficar a cargo do próprio oficial/delegatário, sendo o seu ingresso mediante concurso público de provas e títulos, tornando-se este o responsável por todos os custos para o seu funcionamento e manutenção, como pagamento de funcionários, aluguel de imóvel, compra de computadores, material de escritório, etc. Ocorre que, muitas vezes, a renda obtida na atuação desse oficial não corresponde ao alto custo de manutenção da serventia, implicando muitas vezes em um cartório chamado deficitário, onde mais se gasta do que rende. Infelizmente, essa é a realidade da maioria dos cartórios de registro civil em todo o país, resultando em um verdadeiro desequilíbrio entre os diferentes ofícios, onde há o abismo de poucos cartórios de altíssimos rendimentos, ao mesmo tempo em que há muitos cartórios que mal conseguem pagar custos básicos. Nesse sentido, considera-se a renda mínima como um valor pago por fundos de compensação específicos para remunerar o oficial de registro civil das pessoas naturais pelo trabalho empreendido, e tem por finalidade manter o mínimo de dignidade no exercício da atividade, já que a maioria dos atos praticados no registro civil são gratuitos e, portanto, não geram diretamente renda à serventia. O Provimento 81 do Conselho Nacional de Justiça, de 06 de dezembro de 2018, ciente das diferentes realidades remuneratórias em todo país e da importância do tema, tratou da renda mínima obrigatória para todos os registradores civis das pessoas naturais, com a finalidade de “proporcionar a melhor prestação de serviço à população, de garantir a presença do serviço registral de pessoas naturais em todos os locais exigidos por lei, bem como de garantir a economicidade, a moralidade e a proporcionalidade na remuneração dos registradores civis de pessoas naturais“.
- Qual o impacto da renda mínima nas demandas prestadas pelos serviços dos cartórios de registro civil de pessoas naturais?
Embora a renda mínima signifique, literalmente, o “mínimo” necessário para que o oficial de registro civil seja remunerado e possa exercer sua atividade dignamente, o que temos visto na prática é a utilização de referida renda para pagamento e manutenção de custos do próprio cartório, restando, muitas vezes, referido oficial sem qualquer remuneração. Falando na qualidade de registradora civil na Bahia há mais de 06 anos, hoje a renda mínima baiana paga pelo Fundo Especial de Compensação – FECOM não é suficiente para que possamos arcar com muitas demandas surgidas mensalmente em nossas serventias, resultando, muitas vezes, numa sobrecarga de trabalho em razão da impossibilidade de contratação de mais funcionários, e consequentemente demora na prestação de serviço à população, que anseia por um serviço de excelência, não obstante a má remuneração recebida pelos oficiais de registro civil.
- Como a renda mínima pode influenciar a capacidade das pessoas de arcar com os custos associados aos serviços dos cartórios?
O objetivo de qualquer empresa ou negócio privado é, logicamente, tornar a atividade bem sucedida não apenas financeiramente, mas em todos os seus aspectos logísticos e gerenciais. No exercício da atividade extrajudicial, isso não é diferente. O oficial precisa gerir sua serventia com planejamento, estudando seus custos, providenciando melhorias, sempre atuando com responsabilidade, organização e objetividade. Os pilares de uma boa gestão, contudo, encontram muitas dificuldades diante de um cartório deficitário: como melhorar o atendimento se não há dinheiro para contratar novos funcionários? Como capacitar a mão de obra existente se o custo na manutenção da serventia ultrapassa o valor arrecadado? Esses são apenas alguns exemplos de questionamentos que o oficial de registro civil precisa lidar diariamente, e que a renda mínima, em sua teoria, existiria para auxiliar o registrador na implementação de um bom serviço cartorário, o que na prática, não tem acontecido.
- Como funciona a questão da renda mínima no RCPN baianos? Como funciona a distribuição do fundo para os cartórios baianos?
No Estado da Bahia, a renda mínima existe através da previsão no artigo 16, da lei estadual nº 12.352 de 08 de setembro de 2011, que instituiu uma complementação financeira para todas as serventias, sejam elas notariais e de registro, que porventura não consigam atingir a arrecadação mínima para a garantia de seu funcionamento. Referida complementação, também chamada de renda mínima, fica a cargo do Conselho Gestor do Fundo Especial de Compensação – FECOM, criado com esta finalidade, sendo seus recursos o percentual correspondente a 23% (vinte e três por cento) do que for cobrado a título de Emolumentos para qualquer ato notarial/registral. Ocorre que, conforme dados do Colégio Notarial do Brasil – CNB, a Bahia é o estado com o maior número de cartórios deficitários no Brasil, sendo que dos 1.154 cartórios baianos, mais de 80% não possuem recursos para manterem suas atividades e precisam receber uma renda mínima para continuar funcionando. Nesse sentido, o pagamento da renda mínima acontece para que, com esses recursos, o oficial possa arcar com os custos do cartório, pagando sua folha de funcionários, aluguel do imóvel, tributos devidos, contas de água, luz, dentre outros, o que muitas vezes, resulta num passivo maior do que o valor pago.
Fonte: Assessoria de comunicação da Arpen/BA.