“Não assino com x. Assino com o dedo, trincado, ferido, de tanto trabalhar”, é o início do poema escrito pela registradora civil, Iolanda França, oficial no cartório de Taperoá. Iolanda escreveu o poema em setembro de 2022, e dedicou a um senhor, de identidade não revelada, que buscava seu registro civil ainda na velhice.
A Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen/BA), juntamente com a Corregedoria Geral da Justiça e a Corregedoria das Comarcas do Interior, inicia nesta segunda-feira (08/05) uma ação para erradicar o sub-registro no estado. A ação é uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Leia o poema na íntegra:
Assino com o dedo
Não assino com x.
Assino com o dedo, trincado, ferido, de tanto trabalhar.
Não perdi a memória.
Na verdade, não existe história para memória virar.
Sem documento,
Sem registro,
Sem aniversário,
Sem data de nascimento.
Nada tenho para comemorar.
Os que testemunharam meu nascimento, não estão aqui para declarar.
Filho de mãe morta no parto.
Filho de pai morto.
Não existe história.
Existe uma página sem escritas, sobre a mesa.
Não é em branco, pois está suja de terra, de dores, de dúvidas, de incerteza
Nenhum crime cometi.
Sigo invisível…
Apenas nasci.
Dizem que são 66 anos.
Eu mesmo não sei.
Sei que tenho nome de Santo,
Mas não fui abençoado.
Não fui registrado.
Conhecido de Deus.
Desconhecido do Estado.
Resistente, Sobrevivente, Sozinho com a velhice.
Sem auxílio,
Sem pensão.
No sentido mais genérico: sem nenhum benefício.
Parece que viver se tornou um sacrifício.
Sigo em frente, com a sacolinha do mercado,
Cheia de bilhetes, com ela vou pra todo lado.
Levo bilhete aqui e acolá.
Porque infelizmente não sei me comunicar.
Faço o que pedem.
Sem entender, caminho.
Em meio à pobreza e outros espinhos.
Sigo para algum lugar.
Cheio de esperança, começo a correr,
Para onde eu possa finalmente começar,
A minha história escrever.
História que até hoje só foi dita.
Só foi contada.
Sem nenhuma escrita.
Sem ponto de partida.
História que de tão sofrida,
Às vezes até Deus duvida.
Corro, na velocidade do relógio, sem hora,
Para que eu consiga, ao menos, escrever algumas páginas, antes de ir embora.
Iolanda França
Fonte: Assessoria de Comunicação Arpen/BA