O Tribunal de Justiça de Pernambuco – TJPE reconheceu o direito de uma mãe a registrar o nome escolhido para seu filho, morto no parto, em 2010. A decisão proferida pela juíza Andréa Epaminodas, da 12ª Vara de Família e Registro Civil da Capital, em ação de retificação de registro civil, proposta pela mãe, é inovadora ao garantir registro do nome de natimorto em cartório, segundo informação do Tribunal.
A magistrada se baseou no artigo 634 do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registros do Estado de Pernambuco, publicado em 2014. Ela explicou que a certidão do natimorto fora lavrada quatro anos antes da vigência do artigo. Por essa razão, o direito não foi atendido à época.
O dispositivo em questão prevê a consignação no assento de óbito do natimorto do prenome e sobrenome para ele escolhidos, sempre que solicitado pelo declarante. O regramento encontra respaldo no artigo 2º do Código Civil, que coloca a salvo os direitos do nascituro desde a concepção.
Após o trânsito em julgado, a sentença servirá de mandado de averbação a ser apresentado ao cartório competente para que se adotem as providências necessárias ao cumprimento da decisão.
Luto social
No acórdão, a juíza Andréa Epaminodas citou o artigo “O nome ao natimorto é um direito humanitário”, de Jones Figueirêdo Alves, desembargador decano do TJPE e presidente da Comissão de Magistrados de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Publicado pelo site Consultor Jurídico – Conjur, o texto destaca o contexto psicológico vivenciado pelos envolvidos na situação, abordando o chamado “luto social”.
O autor defende que “mães de mãos vazias e parturientes de parto inútil” não podem ficar despercebidas pelo Direito. “Esse luto tem, por certo, relevância jurídica, não resumida ao fato registral ou estatístico. Segue-se, então, reconhecer que o direito de os pais atribuírem nome ao natimorto responde à sua fragilidade emocional, vulneráveis pela perda do filho, merecendo, em prol da dignidade pessoal, o direito de nominá-los”, defende Jones.
Ele ressalta que o Provimento 12/2014 da Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco – CGJ-PE dá embasamento à decisão do Tribunal ao reconhecer que a Lei de Registros Públicos não veda, no registro de óbito fetal a ser assentado no Livro C Auxiliar, a menção ao nome escolhido pelos pais para a criança.
“Ganha relevo o atendimento humanístico ao interesse parental de sepultar o natimorto atribuindo-lhe um nome. Essa, a importância substancial do direito reconhecido no provimento”, classifica Jones, lembrando que o Enunciado nº 1 da I Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, em 2002, também pontificou que a “proteção que o Código Civil confere ao nascituro alcança o natimorto, no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.
Importante decisão
Segundo Jones, o referido artigo 634 do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registros do Estado de Pernambuco é originado do Provimento nº 12/2014, da CGJ-PE, um dos pioneiros no País ao regulamentar o assento do óbito fetal, facultando aos pais o direito de atribuição de nome no registro pelo Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais.
“Tratou-se, a toda evidência, de uma importante decisão judicial para tornar público o que todos os Oficiais de Registro Civil poderão fazer ao tempo da abertura do assento do natimorto: o ato de ensejar, em caso de natimorto, a faculdade do declarante ao direito de atribuição de nome ao natimorto no registro a ser assentado no Livro C-Auxiliar, com o índice em nome dos pais, dispensando o assento de nascimento”, observa Jones.
O desembargador atenta que a certidão do natimorto é datada de 2010, quatro anos antes da edição do Provimento, por isso foi pleiteada uma retificação. “O destaque da decisão judicial é o fato de que existe o direito de os pais registrarem os filhos natimortos com nome e sobrenome, o que poucos estão ainda a saber”, acrescenta.
Ele ressalta, ainda, que a mortalidade fetal enfrenta lacunas no plano do direito registral. “Essa espécie de mortalidade tem se constituído em evento jurídico a exigir novas atuações da doutrina, dos tribunais do país, da legislação e de políticas públicas de saúde, quando cerca de 3,3 milhões de crianças, a cada ano, no mundo, são natimortos com morte intrauterina nos três últimos meses de gestação”, detalha.
O magistrado defende que a criança a nascer não é mera perspectiva de filho, mas uma pessoa a chegar, com personalidade jurídica de fato, tendo direito a um nome. “Bem por isso, no plano registral, à falta de uma revisão da lei de regência, os Provimentos têm servido, em efetividade ótima, para suprir a omissão legislativa com uma interpretação conforme.”
Decisão respeita direito à dignidade
Vice-presidente da Comissão de Notários e Registradores do IBDFAM, a advogada Karin Regina Rick Rosa também elogia a decisão. Ela ressalta que o período gestacional já é cercado de afeto pelo bebê que irá nascer e tais sentimentos devem ser considerados pelo Poder Judiciário.
“A gestação é um momento muito especial na vida das pessoas. É natural que, não apenas a mãe e o pai, mas também os familiares mais próximos, vivenciem a expectativa do nascimento de modo cada vez mais intenso, na medida em que as semanas passam. Não raras vezes, mesmo antes de saber o sexo, opções de nome já são pensadas de modo muito especial”, atenta Karin.
“Passar por todos esses momentos e ver frustrada esta expectativa é algo que não se deseja a ninguém. São dor e sofrimento que poderão levar muito tempo para curar. Neste cenário, impedir que o registro do natimorto contenha seu nome e sobrenome não é razoável, e, juridicamente, fere o direito à dignidade”, aponta a advogada.
Ausência de uma lei federal
Ela defende que exista uma lei federal dando conta da matéria, já que pleitos como esse não são tão raros no ordenamento jurídico brasileiro. “Já houve uma iniciativa legislativa neste sentido, para alterar o parágrafo 1º do art. 53 da Lei 6.015/73: o PL 88/2013 (PL 5.171/2013 na Câmara dos Deputados)”, explica a advogada.
Em 2015, o projeto de lei foi integralmente vetado pelo então vice-presidente, Michel Temer, no exercício do cargo de Presidente da República. A alegação foi que “a alteração poderia levar a interpretações que contrariariam a sistemática vigente no Código Civil, inclusive com eventuais efeitos não previstos para o direito sucessório”. Para a advogada, o argumento não prospera.
“Referir no registro o nome e sobrenome do natimorto não o torna sujeito de direito, pois a teor do disposto expressamente no art. 2º do Código Civil, a personalidade civil começa do nascimento com vida”, argumenta Karin. “No entanto, é um gesto de respeito à dignidade, e de humanidade, que poderá contribuirá para ajudar a família a superar este momento tão delicado”, defende.
Fonte: IBDFAM