Cinco anos após ser regulamentada no Brasil, o número de retificações de gênero e prenome de pessoas transexuais aumentou cerca de 207% nos cartórios da Bahia.
Nesta quarta-feira (28), Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, o g1 divulga os dados do levantamento feito pela Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen).
Entre junho de 2018 e maio de 2019, foram contabilizadas 69 alterações; no mesmo período entre 2022 e 2023, foram 212 retificações de prenome e gênero nos cartórios baianos. Nesses casos, não é possível alterar os sobrenomes.
“Não acordei um dia e decidi ser mulher, foi um processo. Minha transição foi uma jornada e a retificação dos documentos faz parte dela”, afirmou.
Durante a pandemia da Covid-19, a farmacêutica pediu ajuda para a Defensoria Pública da Bahia, que a auxiliou no processo.
O primeiro documento a ter as retificações foi a certidão de nascimento, que serviu de “base” para ela conseguir as alterações no CPF, RG, título de eleitor, carteira de trabalho, carteirinha do Sistema Único de Saúde (SUS) e até ser liberada do quadro de reservistas do Exército Brasileiro.
Quando a nova certidão ficou pronta, a farmacêutica ficou surpresa: no documento não consta que ela é uma mulher trans. No papel, está apenas escrito que Laura Maria nasceu na cidade de Tororó, no sudoeste da Bahia.
“Foi uma emoção muito grande, porque em momento nenhum o documento fala que eu sou trans. Vai chegar um momento da minha vida que não vou ter nenhuma relação com o meu nome ‘morto’ [nome usado antes da transição]”.
“Quando você lê o documento, você começa a renascer. Cada passo é um renascimento”, disse.
Segundo a Arpen, a retificação como a feita por Laura já foi feita em 500 casos nos cartórios das cidades baianas.
Para realizar o processo nos Cartórios de Registro Civil, é preciso apresentar todos os documentos pessoais, comprovante de endereço, entre outros. Confira todos os passos na cartilha feita pela Arpen.
A retificação do nome é uma demanda antiga, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra). A presidente da entidade, Keila Simpson, diz que a luta pelo uso do nome social, ou seja, o nome que a pessoa trans se identifica, no Brasil, ganhou força no Rio de Janeiro a partir de 1993.
No final dos anos 90, a retificação até foi aceita, mas era feita via judicial. O processo era bastante demorado e, em alguns casos, a resposta só chegava anos depois, o que fazia com que homens e mulheres trans se sentiam “reféns de juízes”.
“A decisão do Supremo (Tribunal Federal) de 2018 possibilitou que a retificações fosse feita nos cartórios, o que vem sendo feito hoje. É um processo que vem de encontro ao que a população demandou durante muito tempo”, enfatizou Keila.
A decisão elogiada pela presidente da Antra é o Provimento 73/2018, do STF e Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Foi a partir dele que as retificações passaram a ser feitas de forma mais rápida, nos cartórios.
“Com o tempo passando, as coisas vão se naturalizando. As pessoas estão recorrendo mais à retificação, devido aos mutirões feitos por órgãos públicos, como as Defensorias, e por empresas privadas também”, afirmou Keila.
O assistente social e coordenador do ambulatório trans da Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP), Ailton da Silva Santos, aponta que a retificação garante “respeito a personalidade e gênero da pessoa trans”.
“O nome é um marcador de gênero muito forte e desrespeita-lo é uma forma de deslegitimar a identidade de gênero da pessoa”, explicou.
No ambulatório, criado em 2016, Ailton lida diariamente com homens e mulheres que estão passando ou já passaram pela transição de gênero.
No local, são realizados exames clínicos e consultas para pessoas transsexuais, travestis e não binárias. Entre eles, estão exames relacionados a ginecologia, psicologia, pediatria e nutrição.
Fonte: G1 BA