“É notório o papel social dos cartórios de registro civil na vida diária de todo cidadão, por resguardarem a validade de documentos indispensáveis para o exercício da cidadania e do direito”, diz o ministro Luiz Fux

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A Arpen-Brasil conversou com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, sobre os avanços na garantia de direitos de pessoas LGBTQIA+ na última década e o papel das serventias extrajudiciais no que tange a desburocratização desses procedimentos

Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (SFT) equiparou a união estável homoafetiva aos relacionamentos heteroafetivos, reconhecendo essa união como núcleo familiar. A decisão unânime da corte foi a porta de entrada para mais um avanço da população LBTQIA+: dois anos mais tarde, o casamento entre pessoas do mesmo sexo passou a ser autorizado no Brasil.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução nº 175/13, em maio de 2013, permitindo a conversão de uniões estáveis homoafetivas em casamentos diretamente em Cartórios de Registro Civil de todo o país.

A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) conversou com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, sobre os avanços na garantia de direitos de pessoas LGBTQIA+ na última década e o papel das serventias extrajudiciais no que tange a desburocratização desses procedimentos.

Confira a entrevista na íntegra:

Arpen-Brasil – Em 2011, quando foi aprovada a equiparação da união estável homoafetiva à união heteroafetiva, em suas considerações durante o voto, o senhor, como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), alegou que “assim como companheiros heterossexuais, companheiros homossexuais ligam-se e apoiam-se emocional e financeiramente; vivem juntos as alegrias e dificuldades do dia-a-dia; projetam um futuro comum”. De que forma a aprovação da união estável entre pessoas do mesmo sexo facilitou a autorização do casamento homoafetivo dois anos mais tarde? 

Ministro Luiz Fux – A Resolução CNJ 175/2013 determinou que os cartórios já não poderiam recusar a habilitação, celebração de casamento civil ou a conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Os entendimentos do Supremo Tribunal Federal balizaram a edição da norma, especialmente os acórdãos prolatados em julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, que reconheceram a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo. Destaca-se também a decisão do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do RESP 1.183.378/RS, que decidiu inexistir óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo. Portanto, a edição do normativo do CNJ deu concretude a esses entendimentos, uma vez que compete ao órgão aperfeiçoar o trabalho do Judiciário brasileiro e das serventias extrajudiciais.

Arpen-Brasil – Nove anos após a aprovação, quais foram os principais avanços dos direitos LGBTQIA+ no país?

Ministro Luiz Fux – Por meio do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, que tem promovido um rico diálogo entre a Justiça e a sociedade civil, é possível observar que há muitos desafios, mas a participação de todos os setores envolvidos pode gerar resultados. Para citar alguns dos avanços que podemos encontrar no Judiciário, vemos, por exemplo, a garantia do uso de nome social em processos judiciais por pessoas que utilizam os serviços da Justiça, conforme a Resolução CNJ 270/2018, que também assegura esse direito a toda força de trabalho do Judiciário, de ter o nome social em seus registros funcionais. Também na Política de Enfrentamento do Assédio Moral, Assédio Sexual e da Discriminação no âmbito do Poder Judiciário, há previsão normativa para que as comissões locais incluam mulheres e pessoas da população LGBTQIA+ nas suas composições, para garantir a diversidade nesses contextos. Essas iniciativas ajudam a mudar uma cultura arraigada de preconceito e abrem espaço para o fortalecimento da diversidade.

Arpen-Brasil – Os cartórios de registro civil são protagonistas na realização de atos voltados a população LGBTQIA+, como o casamento homoafetivo e a mudança de gênero. De que forma o CNJ analisa o papel das serventias extrajudiciais na garantia de direitos desse público?

Ministro Luiz Fux – É notório o papel social dos cartórios de registro civil na vida diária de todo cidadão, por resguardarem a validade de documentos indispensáveis para o exercício da cidadania e do direito. No caso do casamento homoafetivo não é diferente. Assim como no casamento heteroafetivo, essa decisão entre duas pessoas carrega formalidades próprias e traz em si efeitos jurídicos, conforme preconizado no artigo 1.511 do Código Civil, quando diz que a finalidade do casamento é estabelecer uma comunhão plena de vida, fundada na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. A atuação dos cartórios de registro civil, portanto, pela sua presença e capilaridade no território nacional, tem o importante papel de concretizar o compromisso configurado no casamento.

Arpen-Brasil – Desde maio de 2013, mais de 85 mil casamentos homoafetivos foram realizados no Brasil. O senhor acredita que, se houvesse uma lei, esse número poderia ser maior? Qual seria a relevância em ter uma legislação que protegesse esse direito já reconhecido pelo STF?

Ministro Luiz Fux – Como pontuado anteriormente, o reconhecimento da inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo se firmou na Constituição Federal. Quanto à edição de uma lei específica sobre o tema, cabe ao Poder Legislativo discutir e deliberar.

Arpen-Brasil – Existem outras pautas que são demandadas pela população LGBTQIA+ e que estão sendo analisadas pelo CNJ? Por fim, quais os próximos passos que o CNJ pode dar em direção a um maior reconhecimento do casamento homoafetivo?

Ministro Luiz Fux – Vários projetos estão sendo desenvolvidos para dar efetividade aos direitos da comunidade LGBTQIA+. Uma ação recente foi a edição da Resolução CNJ 348/2020, com procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário para reduzir vulnerabilidades de pessoas LGBTQIA+ acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade.

Também no CNJ está em elaboração um instrumento para que o sistema de Justiça identifique situações em que vítimas de preconceito devido à orientação sexual ficam mais sujeitas a perigo de agressão ou morte. O intuito é subsidiar decisões que prevejam mecanismos legais para a proteção e a integridade física dessas pessoas. E a elaboração de um diagnóstico sobre o atendimento por parte dos órgãos da Justiça a essa população quando é vítima de violência está em fase de consolidação de dados que devem subsidiar políticas públicas de prevenção de risco.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen-Brasil

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