Artigo – Jornal Jurid – A (in)admissibilidade da Adoção Avoenga sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente – Por Vinicius Henrique

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ADOÇÃO AVOENGA E ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

A adoção é um instituto destinado a dar uma família a criança ou adolescente que não pertence a nenhum grupo familiar, seja por quaisquer motivos, e também como uma forma de compor uma família a quem é impedido de gerar filhos. Através da adoção é criado um vínculo afetivo, sendo denominado a filiação por parentesco civil, a qual é aquele criado por sentença judicial, conforme já foi explanado anteriormente, que é inscrito no cartório de registro civil conforme preceitua o art. 47 do ECA. Após esse ato a criança/adolescente é desvinculada da família consanguínea e passa a fazer parte da nova família civil, inclusive adquire todos os direitos que um filho consanguíneo.

No entanto, no texto de lei existem duas formas de vedação para adoção, quais sejam o impedimento parcial e o total.

O impedimento parcial, nada mais é do que aquele que pode ser sanado e consequentemente permitido o processo de adoção. É o caso do que prevê o artigo 44 do ECA: “Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado”. Ou seja, após a prestação de contas do tutor ou curador passa a ser possível o processo de adoção pelas partes.

O impedimento total, este é um pouco mais complexo e se trata do ponto principal desse trabalho. Embora seja um impedimento total, pelo qual não pode em hipótese alguma ser feito o procedimento de adoção, sendo vedado pelo art. 42. § 1ª do ECA, que preceitua: “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, existem alguns casos em que o legislador autoriza a adoção avoenga. Sendo principalmente norteado pelo Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Nesse sentido, apesar de tratar de um impedimento total, existem casos que são permitidas a adoção pelos avós, para que seja dado ênfase no aspecto primordial da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, seja ele, de proteger tais crianças e adolescentes que são hipossuficientes aos olhos do direito, e para que seja dado a eles o mínimo de apoio familiar, e educacional para seu desenvolvimento pessoal e consequentemente profissional.

Por todos esses aspectos, essa inclusão é de suma importância para proteger a integridade da criança e do adolescente no Brasil, respeitando normativas internacionais, como por exemplo a Declaração dos Direitos da Criança da ONU.

1-  Do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

A criação da lei 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), substituiu o então denominado Código de Menores, promulgado em 1979, que ainda, havia sido criado para substituir o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), de 1942, sendo esse o primeiro código de proteção aos menores. A designação do ECA, instituiu novos ideais para a proteção da crianças e do adolescente com base na primazia da proteção integral e melhor interesse, uma vez que, tanto o SAM, quanto o Código de Menores de 1979, cuidava de menores apenas em situação irregular, sendo elas quando a criança e adolescente se encontrava em: violação de direitos, abandonados por seus responsáveis, em perigo moral, sem se adaptar a sua família ou tivesse cometido algum ato infracional. Fora esses casos o estado não o atendia.

Conforme dito anteriormente em síntese, o primeiro código de proteção aos menores foi o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado em 1942, no então considerado Estado Novo. Esse  código foi criado em meio a um forte governo autoritário, em meio ao golpe militar de 64. No entanto, esse governo entende essa classe como “segurança nacional” e, cria-se a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM), por meio do decreto 4.513/64.

Em 1942 se cria o SAM (Serviço de Assistência ao Menor), órgão do Ministério da Justiça, de orientação correcional-repressiva. O SAM se estruturou sob a forma de reformatórios e casas de correção para adolescentes infratores e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para menores carentes e abandonados. O SAM é reconhecido por muitos autores como a primeira política pública estruturada para a infância e adolescência no Brasil. Surgem, também, nesta época, diversas casas de atendimento sob as ordens da primeira dama, ou seja, diretamente ligadas ao poder central.[1]

E ainda para Darlene Silveira no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Florianópolis, o SAM surgiu para:

[…] orientar e fiscalizar educandários particulares, investigar os “menores” para fins de internamento e ajustamento social, proceder exames médico-psico-pedagógicos, abrigar e distribuir os “menores” pelos estabelecimentos, promover a colocação de “menores”, incentivar a iniciativa particular de assistência a “menores” a estudar as causas do abandono.[2]

Em 1979, é criado o Novo Código de Menores, trazendo como alicerce a doutrina da proteção integral, que estaria presente futuramente no ECA. No entanto, continuava a permitir ao recolhimento de menores em situação irregular, os condenando ao regime de internato até sua maioridade.

Ocorre que, nesses dois códigos que haviam sido promulgados até então, a ação do estado não eram em nada eficientes, pois não atendiam todas as crianças e adolescentes, atendendo apenas aquelas que encontravam-se em situação irregular. Sobre isso:

Poucos meses após o início do regime de exceção, edita o Decreto-Lei 4.513 intitulado Da Política Nacional do Bem Estar do Menor e, com ele, cria a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor – FUNABEM. Aqui a Doutrina da Situação Irregular encontrou seu ápice. A metodologia utilizada implicava a internação nas unidades da FUNABEM de todo “menor” tido como em situação irregular (abandono-delinquência), para que aprendesse a viver em sociedade. Assim, para ensinar a viver em sociedade, retirava-se da sociedade. A última expressão legal da Doutrina da Situação Irregular foi o Código de Menores de 1979 que logo de início dizia encontrar-se em situação irregular os “menores” abandonados, carentes, delinquentes e inadaptados.[3]

Após isso, com base na criação da Constituição Federalde 1988, por intermédio do artigo 227 que estabelece como dever da família, da sociedade e do Poder Público, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, no dia 13 de Julho de 1990.

O Estatuto é processo e resultado porque é uma construção histórica de lutas sociais dos movimentos pela infância, dos setores progressistas da sociedade política e civil brasileira, da “falência mundial” do direito e da justiça menorista, mas também é expressão das relações globais internacionais que se reconfiguravam frente ao novo padrão de gestão de acumulação flexível do capital.[4]

Sendo assim, o ECA foi criado com a prerrogativa de absoluta prioridade para a sua proteção integral à criança e ao adolescente, uma vez que trata-se de um ser em desenvolvimento pleno e não como um problema, como era tratado nos códigos anteriores.

É garantido o direito ao respeito e à dignidade à criança e ao adolescente, exigindo-se de todos a ausência de qualquer ação que possa ferir a integridade destes, seja física, psíquica ou moral, ainda evitando que sofram qualquer tratamento desumano, violento, vexatório ou constrangedor. Por vezes, toda e qualquer omissão em relação a isto pode ensejar na responsabilização de seu agente.[5]

Este Estatuto é alicerçado em alguns direitos fundamentais: vida e saúde; liberdade, respeito e dignidade; convivência familiar e comunitária; educação, cultura, esporte e lazer; profissionalização e proteção no trabalho. Cuja finalidade seja alcançar o seu desenvolvimento pleno.

O Estatuto da Criança e do Adolescente trata do direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, bem como à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura. O ECA atua como o instrumento central de proteção dos interesses da criança e do adolescente frente ao que recepciona os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e prioridade absoluta.[6]

Sendo assim, o ECA tenta promover o valor da criança e do adolescente como ser em desenvolvimento, que são sujeitos de direitos e não objetos, que necessitam de máximo de atenção, em virtude dessa condição de vulnerabilidade.

De maneira geral, o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado uma das normas mais completas do ordenamento jurídico brasileiro, sendo ela usada como espelho em outros países. Sendo ele, entendido com uma valiosa ferramenta, no processo de democratização e conscientização da sociedade como um todo, na proteção e primazia das crianças e dos adolescentes.

2-  Princípios da Criança e do Adolescente (ECA)

  • Princípio da Proteção Integral

Não resta dúvidas que, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem como objetivo principal zelar da integridade e dar o mínimo possível de apoio familiar para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Para Roberto João Elias:

A ênfase que se dá à proteção integral é pertinente, pois não se pode pensar no menor apenas como alguém que precisa ser alimentado para sobreviver, como um simples animal. É deveras importante atentar para o seu desenvolvimento psíquico e psicológico.[7]

Tais princípios tem como objetivo também de complementar e assegurar todos os direitos que essa classe mais frágil necessita, com normas e ideais protetivos diferenciados das que são aplicadas aos adultos.

O princípio da proteção integral foi inspirado nos ditames da Convenção sobre os Direitos da Criança de Nova Iorque, onde consequentemente foi adotado pelo Brasil. Assim Wilson Donizete Liberati diz no Dec. Legislativo 28, de 14 de setembro de 1990:

A nova teoria, baseada na teoria da total proteção dos direitos infanto-juvenis, tem seu alicerce jurídico e social na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, no dia 20.11.89. O Brasil adotou o texto, em sua totalidade, pelo Dec. 99.710, de 21.11.90, após ser ratificado pelo Congresso Nacional.[8]

E ainda, encontra-se disposto nos artigos 227 da Constituição Federal, art. 1º do ECA e também art. 3º desta mesma lei, que prescrevem respectivamente:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;

Art. 1º: Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente;

Art. 3º: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Assim, tais normas tem o intuito de proteger esta classe da população que, são considerados pressupostamente frágeis, pois são pessoas que ainda encontram-se em formação. Vale ressaltar que, esse princípio fora o norteador para construção do Estatuto da Criança e do Adolescente, para conduzir a aplicação do direito em casos que os envolvidos são menores, e que em regra, serão aplicados medidas socioeducativas a eles.

A fim de pactuar com esse entendimento, Carlos Roberto Gonçalves leciona:

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe, no art. 1º, “sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, indicando no art. 4º que é “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade”, dentre outros direitos expressamente mencionados, os referentes à “convivência familiar”, demonstrando a importância que o aludido diploma confere ao convívio dos infantes com seus pais e sua repercussão sobre o seu desenvolvimento.[9]

Dado o exposto, tal princípio tem a intenção de proteger a criança e adolescente na sua fase de desenvolvimento, em que nessas fases são muito vulneráveis à abusos e violências, assim igualando eles como sujeitos de direitos, e não apenas como um objeto que deve ser tutelado ou defendido, mas como sujeitos que devem ser equiparados em seus direitos aos direitos dos adultos, colocando-os na mesma linha de igualdade. Pois, conforme o texto de lei todos são responsáveis por esses menores, sendo assim, o devido amparo legal vem de todos da sociedade.

  • Princípio da Convivência Familiar

Esse princípio é atestado no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que diz: “É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.”

Tem ele como objetivo principal, amparar a criança em um âmbito familiar, para que seja dada a ela uma estrutura disciplinar que permita o seu crescimento saudável, para Maria Cláudia Crespo Brauner acerca do tema: “Alimentar o corpo sim, mas também cuidar da alma, da moral, do psíquico. Estas são as prerrogativas do poder familiar e, principalmente, da delegação divina de amparo aos filhos”[10]. É viável ressaltar que, esse direito que a criança e adolescente tem de conviver com os familiares, se entende não somente aos pais, mas a todos integrantes da família, dentre irmãos, primos, tios, avós, no qual são pessoas que eles tem um vínculo afetivo.

Em sua previsão no caput do artigo 19 da referida lei, é válido ressaltar a menção feita da família substituta, a qual também deve zelar para proteção do princípio. Pois, caso a criança ou adolescente seja inserido em uma família substituta, seja por adoção, guarda ou tutela, passa essa família a ter total responsabilidade de proteger o menor, assim como anteriormente era recaído a família natural.

E ainda:

Os filhos tem direito a convivência com seus pais, mesmo que divorciados. A guarda compartilhada, serve-se para garantir o direito das crianças. Nessa óptica, a convivência é estendida também a outros parentes, fora do núcleo familiar. A Lei 12. 398/2011 deu nova redação aos artigo 1.589 do CC/02, assegura esse direito.[11]

Sendo assim, não há o que discutir acerca da importância da convivência desses menores, com seus familiares, que influenciam totalmente no seu crescimento e formação pessoal. Nesse sentido, Guilherme Souza Nucci leciona:

[…] um dos princípios deste Estatuto é assegurar o convívio da família natural e da família extensa com a criança e o adolescente; por isso, uma das políticas, calcada, na prática, em programas específicos do Estado, é harmonizar filhos e pais, dando-lhes condições de superar as adversidades.[12]

Nesta senda, o princípio da convivência familiar torna-se importante para que seja assegurado o crescimento saudável e o bem estar do menor. Caso não seja criado e educado pela família natural, tenha todo o amparo legal por uma família substituta. Pois trata-se esse princípio como um direito fundamental, podendo ser comparado até ao direito à vida, à educação, à cultura, à saúde, e vários outros. Uma vez que, a Constituição Federal por meio do artigo 226, trata a família como a base da sociedade.

  • Princípio da Prioridade Absoluta

O Princípio da Prioridade Absoluta encontra-se previsto no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que diz:

Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Em razão desse Princípio, Kátia Maciel diz:

Por serem mais vulneráveis e frágeis os indivíduos de até 18 anos e os em desenvolvimento tornam-se destinatários de um tratamento especial, o que faz ocorrer a consagração constitucional do princípio que assegura às crianças, adolescentes e jovens, com prioridade absoluta, o direito à vida, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, entre outros.[13]

Esse princípio caminha junto com o da Proteção Integral, tendo o dever de proteção e auxílio a essa classe em progressão. Existe uma preocupação pertinente com relação à crianças e adolescentes, pois representam o futuro e desenvolvimento do país, assim atingindo o desenvolvimento total de suas potencialidades individuais, que estão sendo desenvolvidas nesse processo de formação, sob todos os aspectos: físicos, psíquicos, intelectuais, moral, social, entre outros, para que alcancem seu perfeito desenvolvimento, desse modo contempla Nery Junior e Machado.[14]

Recai sobre a família a responsabilidade de zelar pelo bem estar das crianças e adolescentes, seja ela família natural ou substituta, com vínculo consanguíneo ou afetivo, pois é dela o dever de formação e base para o seu desenvolvimento pleno. E ainda, consequentemente a esse cuidado da família responsável, toda a sociedade de modo geral e o Poder Público também tem responsabilidade pela primazia das crianças e dos adolescentes, de forma que, deve deixar a disposição os caminhos necessários para que seja alcançado o seu desenvolvimento.

Conforme prevê o parágrafo único do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estado deve garantir a prioridade da criança e do adolescente (i) fornecendo o atendimento preferencial nos serviços públicos ou de relevância pública, priorizando (ii) a formação e execução de políticas sociais públicas e (iii) a destinação de recursos públicos para as áreas voltadas à proteção da infância e da juventude.

Assim, na prestação dos serviços públicos e de relevância pública, crianças e jovens também gozam de primazia, ou seja, em uma fila de transplante de órgãos, por exemplo, havendo uma criança e um adulto nas mesmas condições, os médicos deverão atender em primeiro lugar a criança.[15]

Também trata-se de um dever do Poder Público desenvolver projetos sociais que sejam destinados a essa classe infanto-juvenil, projetos de caráter educativo, preventivo, na intenção de resguardar os direitos fundamentais e basilares para o desenvolvimento desses menores.

Nesta senda, Guilherme Barros diz: “Por isso, o Estatuto deve ser interpretado e aplicado com os olhos voltados para os fins sociais a que se dirige, com observância de que crianças e adolescente são pessoas em desenvolvimento, a quem deve ser dado tratamento especial.”[16]

Sendo assim, esse princípio funciona como responsável pela destinação privilegiada de recursos e alguns atendimentos prioritários a população infanto-juvenil, caminhando lado a lado com o principal intuito da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o objetivo de resguardar essa classe de forma ampla, criando um conjunto de dispositivos legais direcionados à tutela da criança e do adolescente.

  •  Princípio da Municipalização      

Esse Princípio foi criado com a finalidade de atender de formar mais eficaz as necessidades das crianças e dos adolescentes de cada região, pois cada lugar tem seus costumes, crenças e características singulares.

O Princípio da Municipalização encontra-se expresso por meio do artigo 88 do ECA, que rege: “São diretrizes da política de atendimento: I – municipalização do atendimento; (…)”

Conforme dito anteriormente, a responsabilização acerca do desenvolvimento e amparo aos menores vem de todos, desde o anseio familiar, à sociedade e ao Poder Público. Esse último, afim de exercer seu papel primordial, criou um mecanismo de política assistencial, por intermédio da Constituição Federal em seu artigo 203, inciso II, foi direcionado também as crianças e adolescentes que necessitam de tal auxílio:

Art. 203: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

(…)

Ocorre que, para tal ação ocorrer, todos os agentes do Poder Público devem implantar de forma célere e objetiva as políticas assistenciais determinadas. Para que assim, quanto mais claro e eficaz estiver, melhores serão os resultados. Decorre daí a importância dos municípios, que são os que vão levar tal auxílio ao Poder Público, uma vez que, é quem vai realizar os programas de abrangência social da região.

Nesse viés, Andréa Rodrigues entende que:

A municipalização, seja na formulação de políticas locais, por meio do CMDCA, seja solucionando seus conflitos mais simples e resguardando diretamente os direitos fundamentais infanto-juvenis, por sua própria gente, escolhida para integrar o Conselho Tutelar, seja por fim, pela rede de atendimento formada pelo Poder Público, agências sociais e ONGS, busca alcançar a eficiência e eficácia na prática da doutrina da proteção integral.[17]

Diante de tudo o que foi exposto, o Princípio da Municipalização é usado como uma ponte criada entre o Poder Público e a população infanto-juvenil, com o intuito de facilitar o atendimento de mecanismos criados, pois o município é quem tem o contato direto e a percepção das reais necessidades das crianças e adolescentes da região, para quem assim seja aplicado de forma eficaz e célere os programas assistenciais.

  •  Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Por fim, o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente que tornou-se ao longo do tempo, o princípio “Basilar” do ECA. Teve como início pelo sistema jurídico inglês, sendo admitido pela Comunidade Internacional na Declaração dos Direitos da Criança, no ano de 1959. Foi ratificada no Brasil por intermédio do Decreto n.º 99.710/90. Para Colucci:

A origem do melhor interesse da criança adveio do instituto inglês parens patriae que tinha por objetivo a proteção de pessoas incapazes e de seus bens. Com sua divisão entre proteção dos loucos e proteção infantil, esta última evoluiu para o princípio do best interest of child.[18]

Acerca do assunto, ressalta também Carlos Roberto Gonçalves:

art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente só admite a adoção que “apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. Tal exigência apoia-se no princípio do “melhor interesse da criança”, referido na cláusula 3.1 da Convenção Interna Nacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil por intermédio do Decreto n. 99.710/90.[19]

Sendo assim, a fim de garantir a eles o direito fundamental à convivência familiar sempre que possível, pois a sua privação é um desrespeito a tal princípio. Para a autora Silmara J. Chinelato, trata-se de “umas das mais importantes diretrizes do novo Direito de Família”.[20]

Sendo assim, todas as decisões relacionadas ao menor dever ser tomada unicamente visando o seu melhor interesse, analisando-o de uma forma geral, utilizando o que melhor lhe represente para  o caso em discussão.

Segundo Tânia Pereira, acerca desse princípio singular:

Deste modo, o princípio do melhor interesse da criança deve ser entendido como o fundamento primário de todas as ações direcionadas a população infanto-juvenil, sendo que, qualquer orientação ou decisão, envolvendo referida população, deve levar em conta o que é melhor e mais adequado para satisfazer suas necessidades e interesses, sobrepondo-se até mesmo aos interesses dos pais, visando assim, a proteção integral dos seus direitos.[21]

Esse princípio é considerado o orientador tanto para  o legislador quanto para o aplicador, uma vez que determina a primazia da população infanto-juvenil. Podendo ele prevalecer até sobre as circunstâncias fáticas e jurídicas, pois ele não se trata do que o legislador ou aplicador infere como o melhor para o menor, mas o que melhor atende a sua primazia para o seu pleno desenvolvimento.

Segundo Rodrigo Pereira, o princípio deve ser contextualizado de acordo com o caso concreto, pois tratam-se de fator determinante para o crescimento do menor.

[…] Ficar sob a guarda paterna, materna, de terceiro, ser adotado ou ficar sob os cuidados da família biológica, conviver com certas pessoas ou não? Essas são algumas perguntas que nos fazem voltar ao questionamento inicial: existe um entendimento preconcebido do que seja o melhor para a criança ou para o adolescente? A relatividade e o ângulo pelo qual se pode verificar qual a decisão mais justa passa por uma subjetividade que veicula valores morais perigosos. Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral e ética.[22]

Paulo Lôbo entende que este princípio é de grande significância para a criança e o adolescente parte da concepção de serem eles, sujeitos de direitos, que se tratam de pessoas, que ainda, se encontram em pleno desenvolvimento, e não como mero objeto de intervenção jurídica e social quando em situação irregular.[23]

É válido salientar que esse Princípio não trata-se somente de casos de adoção, mas também é usado como norteador em casos de perda ou destituição do poder familiar, onde constitui a sanção para os pais que não exercem a função primordial deles, de proteção e primazia do menor. Silvio Rodrigues entende  acerca dessas sanções que:

[…] têm menos um intuito punitivo aos pais do que o de preservar o interesse dos filhos, afastando-os da nociva influência daqueles. Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou à destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares.[24]

Nesse sentido, o referido princípio é pactuado na categoria de preceito que deve ser seguido para que seja garantido a proteção integral a primazia que resguarda o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), apesar de ele não ser encontrado de modo expresso nos ditames legais acerca do tema, a jurisprudência utiliza como fundamento basilar o princípio do melhor interesse, que prioriza as relações afetivas entre o menor e os postulantes, depreendendo a resolução da lide em favor do que será melhor para os interesses do menor, ainda que, contrarie outras normas.

No entanto, o  fato de que não existia menção alguma dos textos de lei, não significa que não deve ser considerado para fins legais de interpretação. Sendo ele lembrado pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, sendo essa conforme dito anteriormente, incorporada no Decreto n.º 99.710/90.

Nesse viés, o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente deve ser analisado nos casos em que sejam direcionados a menores, de forma primária. Devendo em toda circunstância ser fundamentado referente a essa classe infanto-juvenil. Verifica-se que a Ministra Nancy Andrighi, já está em suas fundamentações usando tal princípio como alicerce para suas decisões. Conforme será demonstrado a frente.

3-  Atuação do Parquet no ECA

Constituição Federal de 88 estabeleceu ao Ministério Público uma função voltada a proteção e resolução de conflitos sociais e dos direitos individuais e coletivos, inclusive a proteção à criança e ao adolescente. Com o intuito de suprir as necessidades básicas, com ações voltadas a efetividade dos direitos garantidos pela população.

Ainda que, a proteção à Criança e ao Adolescente não estar presente expressamente como função direcionado ao Ministério Público na Constituição Federal, essa defesa pode ser entendida pelo que prevê o artigo227, onde assegura a família, a sociedade e o estado a absoluta prioridade assegurar à criança e ao adolescente todos os direitos elencados no artigo.

E também seguindo os ditames descritos no artigo 201, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Conforme Martha Silva Beltrame:

Ao Ministério Público está incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É uma instituição permanente, que não é órgão de nenhum dos três poderes, possuindo autonomia funcional e administrativa. Dentre suas funções constitucionalmente previstas está a proteção integral dos direitos da criança e adolescente. O Promotor de Justiça tem inúmeras atribuições na aplicação e manutenção dos direitos da criança e do adolescente previstas no artigo 201 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente e demais legislações. Nos processos judiciais, é competente para atuar como fiscal da lei, sendo o guardião da correta aplicação da legislação e do respeito aos direitos e às garantias legais assegurados às crianças e adolescentes. Pode atuar como órgão agente, ajuizando as ações, tais como a destituição do poder familiar.[25]

Para Emerson Garcia a Prioridade Absoluta como proteção destinada também ao Ministério Público:

A prioridade absoluta, como não poderia deixar de ser alcançará a atividade finalística do Ministério Público, tendo a instituição o dever de, em primeiro plano, adotar as medidas correlatas ao seu âmbito de atuação funcional que tangenciem a esfera jurídica das crianças e dos adolescentes.[26]

Sendo assim, fica incumbido ao estado a função de gerar programas de assistência à saúde da criança e do adolescente, como também total apoio para a integração a família substitutas afim de dar-lhes o apoio familiar necessário para seu desenvolvimento.

Cabe aos gestores públicos, promover ações básicas para prevenção e total apoio as crianças e adolescentes que são vítimas de abusos, maus-tratos, crueldade e toda forma de violência sofrida por elas, seguindo o que prevê o Princípio da Municipalização, pois o primeiro contato dessas crianças é com o município, para assim serem amparados por todos, respeitando o que fundamenta o artigo 227 da CF.

Para Wilson D. Liberati:

Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e dos adolescentes.[27]

Nesse entendimento, é imprescindível a atuação do parquet, pois é dele as providências adotadas contra a omissão dos funcionários públicos que insistem em não cumprir as normas impostas pela Constituição Federal. Sendo cada dia, mais dependentes do ministério público as criações de ações direcionadas a primazia da proteção das crianças e adolescentes.

Nesse sentido:

A imprescindibilidade da atuação ministerial torna-se patente posto que, não fosse assim, a conduta ímproba de administradores públicos descompromissados ou escondidos sob o manto da falácia da reserva do possível constituiria obstáculo intransponível para a realização dos direitos sociais das crianças e adolescentes. Os gestores públicos têm, equivocadamente, alegado a falta de recursos públicos para o provimento de políticas básicas de atendimento às crianças e adolescentes. A adoção ilegítima da teoria da reserva do possível somada à discricionariedade administrativa tem servido para justificar o direcionamento de recursos públicos para diversos outros fins, em detrimento das políticas de atendimento às crianças e adolescentes. Esse quadro tem forçado o Ministério Público a assumir o papel de órgão necessário para a adoção de providências tendentes a corrigir esses nefastos equívocos, inclusive, com a punição dos responsáveis.[28]

Nesse viés, sempre que for alguma ação que envolva crianças ou adolescentes, o parquet deverá ser parte ou fiscal da lei, para que mantenha a ordem e ainda proteja todos os direitos do menor envolvido. Nessa atuação fundamenta Alessandra Brito L. De Souza:

A atuação do Ministério Público, longe de ser mera determinação legal, garante que o processo de adoção estará livre de prejuízos ao menor, porquanto o órgão ministerial funciona como protetor dos direitos dos menores, bem como verifica que o procedimento adotivo estará livre de vícios que importarem em graves consequências para a criança, como, por exemplo, a colocação em família que não atenda os requisitos da lei.[29]

Assim, independente de qual caso for, deve ter como objetivo principal o Princípio do Melhor Interesse, afim de que, seja garantido a eles o direito à vida, ao bem-estar, educação e acima de tudo, para que essa criança/adolescente seja incluído novamente no anseio de uma família que lhe dará todo o suporte necessário para ser desenvolvimento pleno.

Ressalta-se que, a principal atuação do Ministério Público é como fiscal da lei, no entanto, diante da possibilidade de condicionalidade do que é vedado pelo art. 42, § 1º do ECA, espera-se que os membros do parquet intervenham nas demandas dessa natureza, como incentivador da adoção de teses que sejam para priorizar o melhor interesse de crianças e adolescentes, dando uma nova visão ao que prevê no texto constitucional. Afinal, o direito acompanha as evoluções da sociedade. No entanto, com o zelo primordial para que sejam resguardados das possíveis fraudes, a que essa vedação foi criada.

4-  Da (in)admissibilidade da adoção avoenga: análise jurisprudencial

  •   Do lastro teleológico que informa a vedação de adoção por ascendente

O aplicador da lei, no tocante de sua destinação poderá utilizar como fundamentação legal, alguns métodos de interpretação das normas jurídicas, sendo que alguns métodos ganham realce maior, quais sejam: histórico, lógico, gramatical, sistemático e teleológico.

A vedação estabelecida no art. 42, § 1º do ECA, interpretada de forma teleológica é baseada principalmente no que concerne entendimentos de normas e garantias fundamentais, com a finalidade de evitar uma “confusão genealógica” dos menores envolvidos, evitando nesse sentido, uma confusão familiar e problemas hereditários.

Esse é o entendimento do Desembargador Relator da 6ª Turma Cível do TJDFT:

Tal proibição tem como finalidade principal evitar a indevida confusão na estrutura familiar, que passa por normas hierárquicas e de organização interna, além de problemas advindos de questões hereditárias, fraudes previdenciárias e inocuidade da medida em termos de transferência de afeto para o adotando.[30]

Comungando com o desembargador do TJDFT, a vedação expressa visa evitar que essa procedimento fosse usado indevidamente para fins patrimoniais, assistenciais e também proteger o menor acerca dessa confusão genealógica, que decorre da mudança de os avós para pais.

Como argumento principal de manter a ordem, nesse sentido o relator enaltece o disposto no art. 42, § 1º do ECA, exaltando o dever do juiz em função do princípio da proteção integral da criança, privando-a dessa possível confusão.

Existem também julgados que fundamentam sua vedação em outros motivos, mas, que ainda ligado ao citado anteriormente. Como por exemplo, fundamentação para vedação por conta de fraudes previdenciárias. Conforme julgado a seguir:

DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. ESCRITURA PÚBLICA DE ADOÇÃO SIMPLES CELEBRADA ENTRE AVÓS E NETA MAIOR DE IDADE. CÓDIGO CIVIL DE 1916. EFEITOS JURÍDICOS RESTRITOS QUANTO AOS DIREITOS DO ADOTADO. SUPERVENIÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ISONOMIA ENTRE FILIAÇÃO BIOLÓGICA E ADOTIVA. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL. RETROATIVIDADE MÍNIMA DA CONSTITUIÇÃO. ALCANCE QUE NÃO TRANSMUDA A ESSÊNCIA DO ATO JURÍDICO PERFEITO. ADOÇÃO CARTORÁRIA ENTRE AVÓS E NETA. AUSÊNCIA DE VÍNCULOS CORRELATOS AO ESTADO DE FILIAÇÃO. FINALIDADE EXCLUSIVAMENTE PREVIDENCIÁRIA. VALORES NÃO PROTEGIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

(…)

11. A adoção por avós de neto maior de idade, no sistema do Código Civil de 1916, sem que houvesse a constatação de estado de filiação de fato, em princípio, não satisfazia nenhum propósito legítimo, notadamente quando o adotante, como no caso, possuía filhos biológicos. Tampouco  proporcionava aproximação ou criação de vínculos afetivos, não tinha como desígnio a retirada de pessoa de situação de desabrigo material, e, não tendo eficácia plena, também não conferia direitos sucessórios ao adotado. Ou seja, não há outra explicação lógica para a adoção cartorária como a ora em exame, entre avós (com filhos biológicos) e neta maior de idade, senão a de que foi levada a efeito para fins exclusivamente previdenciários.

12. E foi exatamente essa a moldura fática reconhecida pelo acórdão recorrido, no sentido de que a mencionada adoção não visou outro propósito senão ao recebimento de pensão militar, que somente era paga a filhas de militares. Tendo sido o de cujus genitor apenas de filhos homens, a adoção simples prevista no Código Civil de 1916 serviu bem a esse desiderato.

13. O vínculo nascido da adoção meramente cartorária, como a dos autos, realizada entre avós e neta maior de idade, puramente para fins previdenciários, não é aquele vínculo visado pela Constituição Federal de 1988, ao igualar as várias modalidades de filiação. A isonomia fincada na Carta de 1988 visou, a toda evidência, igualar situações jurídicas de quem efetivamente sempre foi filho, por vínculos biológicos ou socioafetivos, mas que o ordenamento jurídico anterior, por inveterado preconceito ou por vetusto moralismo, teimava em conferir tratamento jurídico diferenciado. Não é o caso dos autos.

14. Recurso especial não provido.[31]

Nesse sentido, também fundamenta o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO CIVIL. ADOÇÃO ENTRE BISNETO E BISAVÔ. IMPOSSIBILIDADE. ADOTANDO MAIOR DE IDADE. CÓDIGO CIVIL, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) E LEI NACIONAL DA ADOÇÃO. PRIMAZIA DA PONDERAÇÃO FEITA PELO LEGISLADOR. VEDAÇÃO DA ADOÇÃO ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE.

ART.42, §1°, DO ECA. VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSITIVO DE LEI. ART. 966, INCISO V, CPC.

(…)

ADOÇÃO AVOENGA E ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

A adoção é um instituto destinado a dar uma família a criança ou adolescente que não pertence a nenhum grupo familiar, seja  por quaisquer motivos, e também como uma forma de compor uma família a quem é impedido de gerar filhos. Através da adoção é criado um vínculo afetivo, sendo denominado a filiação por parentesco civil, a qual é aquele criado por sentença judicial, conforme já foi explanado anteriormente, que é inscrito no cartório de registro civil conforme preceitua o art. 47 do ECA. Após esse ato a criança/adolescente é desvinculada da família consanguínea e passa a fazer parte da nova família civil, inclusive adquire todos os direitos que um filho consanguíneo.

No entanto, no texto de lei existem duas formas de vedação para adoção, quais sejam o impedimento parcial e o total.

O impedimento parcial, nada mais é do que aquele que pode ser sanado e consequentemente permitido o processo de adoção. É o caso do que prevê o artigo 44 do ECA: “Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado”. Ou seja, após a prestação de contas do tutor ou curador passa a ser possível o processo de adoção pelas partes.

O impedimento total, este é um pouco mais complexo e se trata do ponto principal desse trabalho. Embora seja um impedimento total, pelo qual não pode em hipótese alguma ser feito o procedimento de adoção, sendo vedado pelo art. 42. § 1ª do ECA, que preceitua: “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, existem alguns casos em que o legislador autoriza a adoção avoenga. Sendo principalmente norteado pelo Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Nesse sentido, apesar de tratar de um impedimento total, existem casos que são permitidas a adoção pelos avós, para que seja dado ênfase no aspecto primordial da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, seja ele, de proteger tais crianças e adolescentes que são hipossuficientes aos olhos do direito, e para que seja dado a eles o mínimo de apoio familiar, e educacional para seu desenvolvimento pessoal e consequentemente profissional.

Por todos esses aspectos, essa inclusão é de suma importância para proteger a integridade da criança e do adolescente no Brasil, respeitando normativas internacionais, como por exemplo a Declaração dos Direitos da Criança da ONU.

1-  Do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

A criação da lei 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), substituiu o então denominado Código de Menores, promulgado em 1979, que ainda, havia sido criado para substituir o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), de 1942, sendo esse o primeiro código de proteção aos menores. A designação do ECA, instituiu novos ideais para a proteção da crianças e do adolescente com base na primazia da proteção integral e melhor interesse, uma vez que, tanto o SAM, quanto o Código de Menores de 1979, cuidava de menores apenas em situação irregular, sendo elas quando a criança e adolescente se encontrava em: violação de direitos, abandonados por seus responsáveis, em perigo moral, sem se adaptar a sua família ou tivesse cometido algum ato infracional. Fora esses casos o estado não o atendia.

Conforme dito anteriormente em síntese, o primeiro código de proteção aos menores foi o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado em 1942, no então considerado Estado Novo. Esse  código foi criado em meio a um forte governo autoritário, em meio ao golpe militar de 64. No entanto, esse governo entende essa classe como “segurança nacional” e, cria-se a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM), por meio do decreto 4.513/64.

Em 1942 se cria o SAM (Serviço de Assistência ao Menor), órgão do Ministério da Justiça, de orientação correcional-repressiva. O SAM se estruturou sob a forma de reformatórios e casas de correção para adolescentes infratores e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para menores carentes e abandonados. O SAM é reconhecido por muitos autores como a primeira política pública estruturada para a infância e adolescência no Brasil. Surgem, também, nesta época, diversas casas de atendimento sob as ordens da primeira dama, ou seja, diretamente ligadas ao poder central.[1]

E ainda para Darlene Silveira no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Florianópolis, o SAM surgiu para:

[…] orientar e fiscalizar educandários particulares, investigar os “menores” para fins de internamento e ajustamento social, proceder exames médico-psico-pedagógicos, abrigar e distribuir os “menores” pelos estabelecimentos, promover a colocação de “menores”, incentivar a iniciativa particular de assistência a “menores” a estudar as causas do abandono.[2]

Em 1979, é criado o Novo Código de Menores, trazendo como alicerce a doutrina da proteção integral, que estaria presente futuramente no ECA. No entanto, continuava a permitir ao recolhimento de menores em situação irregular, os condenando ao regime de internato até sua maioridade.

Ocorre que, nesses dois códigos que haviam sido promulgados até então, a ação do estado não eram em nada eficientes, pois não atendiam todas as crianças e adolescentes, atendendo apenas aquelas que encontravam-se em situação irregular. Sobre isso:

Poucos meses após o início do regime de exceção, edita o Decreto-Lei 4.513 intitulado Da Política Nacional do Bem Estar do Menor e, com ele, cria a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor – FUNABEM. Aqui a Doutrina da Situação Irregular encontrou seu ápice. A metodologia utilizada implicava a internação nas unidades da FUNABEM de todo “menor” tido como em situação irregular (abandono-delinquência), para que aprendesse a viver em sociedade. Assim, para ensinar a viver em sociedade, retirava-se da sociedade. A última expressão legal da Doutrina da Situação Irregular foi o Código de Menores de 1979 que logo de início dizia encontrar-se em situação irregular os “menores” abandonados, carentes, delinquentes e inadaptados.[3]

Após isso, com base na criação da Constituição Federalde 1988, por intermédio do artigo 227 que estabelece como dever da família, da sociedade e do Poder Público, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, no dia 13 de Julho de 1990.

O Estatuto é processo e resultado porque é uma construção histórica de lutas sociais dos movimentos pela infância, dos setores progressistas da sociedade política e civil brasileira, da “falência mundial” do direito e da justiça menorista, mas também é expressão das relações globais internacionais que se reconfiguravam frente ao novo padrão de gestão de acumulação flexível do capital.[4]

Sendo assim, o ECA foi criado com a prerrogativa de absoluta prioridade para a sua proteção integral à criança e ao adolescente, uma vez que trata-se de um ser em desenvolvimento pleno e não como um problema, como era tratado nos códigos anteriores.

É garantido o direito ao respeito e à dignidade à criança e ao adolescente, exigindo-se de todos a ausência de qualquer ação que possa ferir a integridade destes, seja física, psíquica ou moral, ainda evitando que sofram qualquer tratamento desumano, violento, vexatório ou constrangedor. Por vezes, toda e qualquer omissão em relação a isto pode ensejar na responsabilização de seu agente.[5]

Este Estatuto é alicerçado em alguns direitos fundamentais: vida e saúde; liberdade, respeito e dignidade; convivência familiar e comunitária; educação, cultura, esporte e lazer; profissionalização e proteção no trabalho. Cuja finalidade seja alcançar o seu desenvolvimento pleno.

O Estatuto da Criança e do Adolescente trata do direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, bem como à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura. O ECA atua como o instrumento central de proteção dos interesses da criança e do adolescente frente ao que recepciona os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e prioridade absoluta.[6]

Sendo assim, o ECA tenta promover o valor da criança e do adolescente como ser em desenvolvimento, que são sujeitos de direitos e não objetos, que necessitam de máximo de atenção, em virtude dessa condição de vulnerabilidade.

De maneira geral, o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado uma das normas mais completas do ordenamento jurídico brasileiro, sendo ela usada como espelho em outros países. Sendo ele, entendido com uma valiosa ferramenta, no processo de democratização e conscientização da sociedade como um todo, na proteção e primazia das crianças e dos adolescentes.

2-  Princípios da Criança e do Adolescente (ECA)

  • Princípio da Proteção Integral

Não resta dúvidas que, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem como objetivo principal zelar da integridade e dar o mínimo possível de apoio familiar para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Para Roberto João Elias:

A ênfase que se dá à proteção integral é pertinente, pois não se pode pensar no menor apenas como alguém que precisa ser alimentado para sobreviver, como um simples animal. É deveras importante atentar para o seu desenvolvimento psíquico e psicológico.[7]

Tais princípios tem como objetivo também de complementar e assegurar todos os direitos que essa classe mais frágil necessita, com normas e ideais protetivos diferenciados das que são aplicadas aos adultos.

O princípio da proteção integral foi inspirado nos ditames da Convenção sobre os Direitos da Criança de Nova Iorque, onde consequentemente foi adotado pelo Brasil. Assim Wilson Donizete Liberati diz no Dec. Legislativo 28, de 14 de setembro de 1990:

A nova teoria, baseada na teoria da total proteção dos direitos infanto-juvenis, tem seu alicerce jurídico e social na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, no dia 20.11.89. O Brasil adotou o texto, em sua totalidade, pelo Dec. 99.710, de 21.11.90, após ser ratificado pelo Congresso Nacional.[8]

E ainda, encontra-se disposto nos artigos 227 da Constituição Federal, art. 1º do ECA e também art. 3º desta mesma lei, que prescrevem respectivamente:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;

Art. 1º: Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente;

Art. 3º: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Assim, tais normas tem o intuito de proteger esta classe da população que, são considerados pressupostamente frágeis, pois são pessoas que ainda encontram-se em formação. Vale ressaltar que, esse princípio fora o norteador para construção do Estatuto da Criança e do Adolescente, para conduzir a aplicação do direito em casos que os envolvidos são menores, e que em regra, serão aplicados medidas socioeducativas a eles.

A fim de pactuar com esse entendimento, Carlos Roberto Gonçalves leciona:

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe, no art. 1º, “sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, indicando no art. 4º que é “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade”, dentre outros direitos expressamente mencionados, os referentes à “convivência familiar”, demonstrando a importância que o aludido diploma confere ao convívio dos infantes com seus pais e sua repercussão sobre o seu desenvolvimento.[9]

Dado o exposto, tal princípio tem a intenção de proteger a criança e adolescente na sua fase de desenvolvimento, em que nessas fases são muito vulneráveis à abusos e violências, assim igualando eles como sujeitos de direitos, e não apenas como um objeto que deve ser tutelado ou defendido, mas como sujeitos que devem ser equiparados em seus direitos aos direitos dos adultos, colocando-os na mesma linha de igualdade. Pois, conforme o texto de lei todos são responsáveis por esses menores, sendo assim, o devido amparo legal vem de todos da sociedade.

  • Princípio da Convivência Familiar

Esse princípio é atestado no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que diz: “É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.”

Tem ele como objetivo principal, amparar a criança em um âmbito familiar, para que seja dada a ela uma estrutura disciplinar que permita o seu crescimento saudável, para Maria Cláudia Crespo Brauner acerca do tema: “Alimentar o corpo sim, mas também cuidar da alma, da moral, do psíquico. Estas são as prerrogativas do poder familiar e, principalmente, da delegação divina de amparo aos filhos”[10]. É viável ressaltar que, esse direito que a criança e adolescente tem de conviver com os familiares, se entende não somente aos pais, mas a todos integrantes da família, dentre irmãos, primos, tios, avós, no qual são pessoas que eles tem um vínculo afetivo.

Em sua previsão no caput do artigo 19 da referida lei, é válido ressaltar a menção feita da família substituta, a qual também deve zelar para proteção do princípio. Pois, caso a criança ou adolescente seja inserido em uma família substituta, seja por adoção, guarda ou tutela, passa essa família a ter total responsabilidade de proteger o menor, assim como anteriormente era recaído a família natural.

E ainda:

Os filhos tem direito a convivência com seus pais, mesmo que divorciados. A guarda compartilhada, serve-se para garantir o direito das crianças. Nessa óptica, a convivência é estendida também a outros parentes, fora do núcleo familiar. A Lei 12. 398/2011 deu nova redação aos artigo 1.589 do CC/02, assegura esse direito.[11]

Sendo assim, não há o que discutir acerca da importância da convivência desses menores, com seus familiares, que influenciam totalmente no seu crescimento e formação pessoal. Nesse sentido, Guilherme Souza Nucci leciona:

[…] um dos princípios deste Estatuto é assegurar o convívio da família natural e da família extensa com a criança e o adolescente; por isso, uma das políticas, calcada, na prática, em programas específicos do Estado, é harmonizar filhos e pais, dando-lhes condições de superar as adversidades.[12]

Nesta senda, o princípio da convivência familiar torna-se importante para que seja assegurado o crescimento saudável e o bem estar do menor. Caso não seja criado e educado pela família natural, tenha todo o amparo legal por uma família substituta. Pois trata-se esse princípio como um direito fundamental, podendo ser comparado até ao direito à vida, à educação, à cultura, à saúde, e vários outros. Uma vez que, a Constituição Federal por meio do artigo 226, trata a família como a base da sociedade.

  • Princípio da Prioridade Absoluta

O Princípio da Prioridade Absoluta encontra-se previsto no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que diz:

Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Em razão desse Princípio, Kátia Maciel diz:

Por serem mais vulneráveis e frágeis os indivíduos de até 18 anos e os em desenvolvimento tornam-se destinatários de um tratamento especial, o que faz ocorrer a consagração constitucional do princípio que assegura às crianças, adolescentes e jovens, com prioridade absoluta, o direito à vida, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, entre outros.[13]

Esse princípio caminha junto com o da Proteção Integral, tendo o dever de proteção e auxílio a essa classe em progressão. Existe uma preocupação pertinente com relação à crianças e adolescentes, pois representam o futuro e desenvolvimento do país, assim atingindo o desenvolvimento total de suas potencialidades individuais, que estão sendo desenvolvidas nesse processo de formação, sob todos os aspectos: físicos, psíquicos, intelectuais, moral, social, entre outros, para que alcancem seu perfeito desenvolvimento, desse modo contempla Nery Junior e Machado.[14]

Recai sobre a família a responsabilidade de zelar pelo bem estar das crianças e adolescentes, seja ela família natural ou substituta, com vínculo consanguíneo ou afetivo, pois é dela o dever de formação e base para o seu desenvolvimento pleno. E ainda, consequentemente a esse cuidado da família responsável, toda a sociedade de modo geral e o Poder Público também tem responsabilidade pela primazia das crianças e dos adolescentes, de forma que, deve deixar a disposição os caminhos necessários para que seja alcançado o seu desenvolvimento.

Conforme prevê o parágrafo único do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estado deve garantir a prioridade da criança e do adolescente (i) fornecendo o atendimento preferencial nos serviços públicos ou de relevância pública, priorizando (ii) a formação e execução de políticas sociais públicas e (iii) a destinação de recursos públicos para as áreas voltadas à proteção da infância e da juventude.

Assim, na prestação dos serviços públicos e de relevância pública, crianças e jovens também gozam de primazia, ou seja, em uma fila de transplante de órgãos, por exemplo, havendo uma criança e um adulto nas mesmas condições, os médicos deverão atender em primeiro lugar a criança.[15]

Também trata-se de um dever do Poder Público desenvolver projetos sociais que sejam destinados a essa classe infanto-juvenil, projetos de caráter educativo, preventivo, na intenção de resguardar os direitos fundamentais e basilares para o desenvolvimento desses menores.

Nesta senda, Guilherme Barros diz: “Por isso, o Estatuto deve ser interpretado e aplicado com os olhos voltados para os fins sociais a que se dirige, com observância de que crianças e adolescente são pessoas em desenvolvimento, a quem deve ser dado tratamento especial.”[16]

Sendo assim, esse princípio funciona como responsável pela destinação privilegiada de recursos e alguns atendimentos prioritários a população infanto-juvenil, caminhando lado a lado com o principal intuito da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o objetivo de resguardar essa classe de forma ampla, criando um conjunto de dispositivos legais direcionados à tutela da criança e do adolescente.

  •  Princípio da Municipalização      

Esse Princípio foi criado com a finalidade de atender de formar mais eficaz as necessidades das crianças e dos adolescentes de cada região, pois cada lugar tem seus costumes, crenças e características singulares.

O Princípio da Municipalização encontra-se expresso por meio do artigo 88 do ECA, que rege: “São diretrizes da política de atendimento: I – municipalização do atendimento; (…)”

Conforme dito anteriormente, a responsabilização acerca do desenvolvimento e amparo aos menores vem de todos, desde o anseio familiar, à sociedade e ao Poder Público. Esse último, afim de exercer seu papel primordial, criou um mecanismo de política assistencial, por intermédio da Constituição Federal em seu artigo 203, inciso II, foi direcionado também as crianças e adolescentes que necessitam de tal auxílio:

Art. 203: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

(…)

Ocorre que, para tal ação ocorrer, todos os agentes do Poder Público devem implantar de forma célere e objetiva as políticas assistenciais determinadas. Para que assim, quanto mais claro e eficaz estiver, melhores serão os resultados. Decorre daí a importância dos municípios, que são os que vão levar tal auxílio ao Poder Público, uma vez que, é quem vai realizar os programas de abrangência social da região.

Nesse viés, Andréa Rodrigues entende que:

A municipalização, seja na formulação de políticas locais, por meio do CMDCA, seja solucionando seus conflitos mais simples e resguardando diretamente os direitos fundamentais infanto-juvenis, por sua própria gente, escolhida para integrar o Conselho Tutelar, seja por fim, pela rede de atendimento formada pelo Poder Público, agências sociais e ONGS, busca alcançar a eficiência e eficácia na prática da doutrina da proteção integral.[17]

Diante de tudo o que foi exposto, o Princípio da Municipalização é usado como uma ponte criada entre o Poder Público e a população infanto-juvenil, com o intuito de facilitar o atendimento de mecanismos criados, pois o município é quem tem o contato direto e a percepção das reais necessidades das crianças e adolescentes da região, para quem assim seja aplicado de forma eficaz e célere os programas assistenciais.

  •  Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Por fim, o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente que tornou-se ao longo do tempo, o princípio “Basilar” do ECA. Teve como início pelo sistema jurídico inglês, sendo admitido pela Comunidade Internacional na Declaração dos Direitos da Criança, no ano de 1959. Foi ratificada no Brasil por intermédio do Decreto n.º 99.710/90. Para Colucci:

A origem do melhor interesse da criança adveio do instituto inglês parens patriae que tinha por objetivo a proteção de pessoas incapazes e de seus bens. Com sua divisão entre proteção dos loucos e proteção infantil, esta última evoluiu para o princípio do best interest of child.[18]

Acerca do assunto, ressalta também Carlos Roberto Gonçalves:

art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente só admite a adoção que “apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. Tal exigência apoia-se no princípio do “melhor interesse da criança”, referido na cláusula 3.1 da Convenção Interna Nacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil por intermédio do Decreto n. 99.710/90.[19]

Sendo assim, a fim de garantir a eles o direito fundamental à convivência familiar sempre que possível, pois a sua privação é um desrespeito a tal princípio. Para a autora Silmara J. Chinelato, trata-se de “umas das mais importantes diretrizes do novo Direito de Família”.[20]

Sendo assim, todas as decisões relacionadas ao menor dever ser tomada unicamente visando o seu melhor interesse, analisando-o de uma forma geral, utilizando o que melhor lhe represente para  o caso em discussão.

Segundo Tânia Pereira, acerca desse princípio singular:

Deste modo, o princípio do melhor interesse da criança deve ser entendido como o fundamento primário de todas as ações direcionadas a população infanto-juvenil, sendo que, qualquer orientação ou decisão, envolvendo referida população, deve levar em conta o que é melhor e mais adequado para satisfazer suas necessidades e interesses, sobrepondo-se até mesmo aos interesses dos pais, visando assim, a proteção integral dos seus direitos.[21]

Esse princípio é considerado o orientador tanto para  o legislador quanto para o aplicador, uma vez que determina a primazia da população infanto-juvenil. Podendo ele prevalecer até sobre as circunstâncias fáticas e jurídicas, pois ele não se trata do que o legislador ou aplicador infere como o melhor para o menor, mas o que melhor atende a sua primazia para o seu pleno desenvolvimento.

Segundo Rodrigo Pereira, o princípio deve ser contextualizado de acordo com o caso concreto, pois tratam-se de fator determinante para o crescimento do menor.

[…] Ficar sob a guarda paterna, materna, de terceiro, ser adotado ou ficar sob os cuidados da família biológica, conviver com certas pessoas ou não? Essas são algumas perguntas que nos fazem voltar ao questionamento inicial: existe um entendimento preconcebido do que seja o melhor para a criança ou para o adolescente? A relatividade e o ângulo pelo qual se pode verificar qual a decisão mais justa passa por uma subjetividade que veicula valores morais perigosos. Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral e ética.[22]

Paulo Lôbo entende que este princípio é de grande significância para a criança e o adolescente parte da concepção de serem eles, sujeitos de direitos, que se tratam de pessoas, que ainda, se encontram em pleno desenvolvimento, e não como mero objeto de intervenção jurídica e social quando em situação irregular.[23]

É válido salientar que esse Princípio não trata-se somente de casos de adoção, mas também é usado como norteador em casos de perda ou destituição do poder familiar, onde constitui a sanção para os pais que não exercem a função primordial deles, de proteção e primazia do menor. Silvio Rodrigues entende  acerca dessas sanções que:

[…] têm menos um intuito punitivo aos pais do que o de preservar o interesse dos filhos, afastando-os da nociva influência daqueles. Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou à destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares.[24]

Nesse sentido, o referido princípio é pactuado na categoria de preceito que deve ser seguido para que seja garantido a proteção integral a primazia que resguarda o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), apesar de ele não ser encontrado de modo expresso nos ditames legais acerca do tema, a jurisprudência utiliza como fundamento basilar o princípio do melhor interesse, que prioriza as relações afetivas entre o menor e os postulantes, depreendendo a resolução da lide em favor do que será melhor para os interesses do menor, ainda que, contrarie outras normas.

No entanto, o  fato de que não existia menção alguma dos textos de lei, não significa que não deve ser considerado para fins legais de interpretação. Sendo ele lembrado pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, sendo essa conforme dito anteriormente, incorporada no Decreto n.º 99.710/90.

Nesse viés, o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente deve ser analisado nos casos em que sejam direcionados a menores, de forma primária. Devendo em toda circunstância ser fundamentado referente a essa classe infanto-juvenil. Verifica-se que a Ministra Nancy Andrighi, já está em suas fundamentações usando tal princípio como alicerce para suas decisões. Conforme será demonstrado a frente.

3-  Atuação do Parquet no ECA

Constituição Federal de 88 estabeleceu ao Ministério Público uma função voltada a proteção e resolução de conflitos sociais e dos direitos individuais e coletivos, inclusive a proteção à criança e ao adolescente. Com o intuito de suprir as necessidades básicas, com ações voltadas a efetividade dos direitos garantidos pela população.

Ainda que, a proteção à Criança e ao Adolescente não estar presente expressamente como função direcionado ao Ministério Público na Constituição Federal, essa defesa pode ser entendida pelo que prevê o artigo227, onde assegura a família, a sociedade e o estado a absoluta prioridade assegurar à criança e ao adolescente todos os direitos elencados no artigo.

E também seguindo os ditames descritos no artigo 201, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Conforme Martha Silva Beltrame:

Ao Ministério Público está incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É uma instituição permanente, que não é órgão de nenhum dos três poderes, possuindo autonomia funcional e administrativa. Dentre suas funções constitucionalmente previstas está a proteção integral dos direitos da criança e adolescente. O Promotor de Justiça tem inúmeras atribuições na aplicação e manutenção dos direitos da criança e do adolescente previstas no artigo 201 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente e demais legislações. Nos processos judiciais, é competente para atuar como fiscal da lei, sendo o guardião da correta aplicação da legislação e do respeito aos direitos e às garantias legais assegurados às crianças e adolescentes. Pode atuar como órgão agente, ajuizando as ações, tais como a destituição do poder familiar.[25]

Para Emerson Garcia a Prioridade Absoluta como proteção destinada também ao Ministério Público:

A prioridade absoluta, como não poderia deixar de ser alcançará a atividade finalística do Ministério Público, tendo a instituição o dever de, em primeiro plano, adotar as medidas correlatas ao seu âmbito de atuação funcional que tangenciem a esfera jurídica das crianças e dos adolescentes.[26]

Sendo assim, fica incumbido ao estado a função de gerar programas de assistência à saúde da criança e do adolescente, como também total apoio para a integração a família substitutas afim de dar-lhes o apoio familiar necessário para seu desenvolvimento.

Cabe aos gestores públicos, promover ações básicas para prevenção e total apoio as crianças e adolescentes que são vítimas de abusos, maus-tratos, crueldade e toda forma de violência sofrida por elas, seguindo o que prevê o Princípio da Municipalização, pois o primeiro contato dessas crianças é com o município, para assim serem amparados por todos, respeitando o que fundamenta o artigo 227 da CF.

Para Wilson D. Liberati:

Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e dos adolescentes.[27]

Nesse entendimento, é imprescindível a atuação do parquet, pois é dele as providências adotadas contra a omissão dos funcionários públicos que insistem em não cumprir as normas impostas pela Constituição Federal. Sendo cada dia, mais dependentes do ministério público as criações de ações direcionadas a primazia da proteção das crianças e adolescentes.

Nesse sentido:

A imprescindibilidade da atuação ministerial torna-se patente posto que, não fosse assim, a conduta ímproba de administradores públicos descompromissados ou escondidos sob o manto da falácia da reserva do possível constituiria obstáculo intransponível para a realização dos direitos sociais das crianças e adolescentes. Os gestores públicos têm, equivocadamente, alegado a falta de recursos públicos para o provimento de políticas básicas de atendimento às crianças e adolescentes. A adoção ilegítima da teoria da reserva do possível somada à discricionariedade administrativa tem servido para justificar o direcionamento de recursos públicos para diversos outros fins, em detrimento das políticas de atendimento às crianças e adolescentes. Esse quadro tem forçado o Ministério Público a assumir o papel de órgão necessário para a adoção de providências tendentes a corrigir esses nefastos equívocos, inclusive, com a punição dos responsáveis.[28]

Nesse viés, sempre que for alguma ação que envolva crianças ou adolescentes, o parquet deverá ser parte ou fiscal da lei, para que mantenha a ordem e ainda proteja todos os direitos do menor envolvido. Nessa atuação fundamenta Alessandra Brito L. De Souza:

A atuação do Ministério Público, longe de ser mera determinação legal, garante que o processo de adoção estará livre de prejuízos ao menor, porquanto o órgão ministerial funciona como protetor dos direitos dos menores, bem como verifica que o procedimento adotivo estará livre de vícios que importarem em graves consequências para a criança, como, por exemplo, a colocação em família que não atenda os requisitos da lei.[29]

Assim, independente de qual caso for, deve ter como objetivo principal o Princípio do Melhor Interesse, afim de que, seja garantido a eles o direito à vida, ao bem-estar, educação e acima de tudo, para que essa criança/adolescente seja incluído novamente no anseio de uma família que lhe dará todo o suporte necessário para ser desenvolvimento pleno.

Ressalta-se que, a principal atuação do Ministério Público é como fiscal da lei, no entanto, diante da possibilidade de condicionalidade do que é vedado pelo art. 42, § 1º do ECA, espera-se que os membros do parquet intervenham nas demandas dessa natureza, como incentivador da adoção de teses que sejam para priorizar o melhor interesse de crianças e adolescentes, dando uma nova visão ao que prevê no texto constitucional. Afinal, o direito acompanha as evoluções da sociedade. No entanto, com o zelo primordial para que sejam resguardados das possíveis fraudes, a que essa vedação foi criada.

4-  Da (in)admissibilidade da adoção avoenga: análise jurisprudencial

  •   Do lastro teleológico que informa a vedação de adoção por ascendente

O aplicador da lei, no tocante de sua destinação poderá utilizar como fundamentação legal, alguns métodos de interpretação das normas jurídicas, sendo que alguns métodos ganham realce maior, quais sejam: histórico, lógico, gramatical, sistemático e teleológico.

A vedação estabelecida no art. 42, § 1º do ECA, interpretada de forma teleológica é baseada principalmente no que concerne entendimentos de normas e garantias fundamentais, com a finalidade de evitar uma “confusão genealógica” dos menores envolvidos, evitando nesse sentido, uma confusão familiar e problemas hereditários.

Esse é o entendimento do Desembargador Relator da 6ª Turma Cível do TJDFT:

Tal proibição tem como finalidade principal evitar a indevida confusão na estrutura familiar, que passa por normas hierárquicas e de organização interna, além de problemas advindos de questões hereditárias, fraudes previdenciárias e inocuidade da medida em termos de transferência de afeto para o adotando.[30]

Comungando com o desembargador do TJDFT, a vedação expressa visa evitar que essa procedimento fosse usado indevidamente para fins patrimoniais, assistenciais e também proteger o menor acerca dessa confusão genealógica, que decorre da mudança de os avós para pais.

Como argumento principal de manter a ordem, nesse sentido o relator enaltece o disposto no art. 42, § 1º do ECA, exaltando o dever do juiz em função do princípio da proteção integral da criança, privando-a dessa possível confusão.

Existem também julgados que fundamentam sua vedação em outros motivos, mas, que ainda ligado ao citado anteriormente. Como por exemplo, fundamentação para vedação por conta de fraudes previdenciárias. Conforme julgado a seguir:

DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. ESCRITURA PÚBLICA DE ADOÇÃO SIMPLES CELEBRADA ENTRE AVÓS E NETA MAIOR DE IDADE. CÓDIGO CIVIL DE 1916. EFEITOS JURÍDICOS RESTRITOS QUANTO AOS DIREITOS DO ADOTADO. SUPERVENIÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ISONOMIA ENTRE FILIAÇÃO BIOLÓGICA E ADOTIVA. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL. RETROATIVIDADE MÍNIMA DA CONSTITUIÇÃO. ALCANCE QUE NÃO TRANSMUDA A ESSÊNCIA DO ATO JURÍDICO PERFEITO. ADOÇÃO CARTORÁRIA ENTRE AVÓS E NETA. AUSÊNCIA DE VÍNCULOS CORRELATOS AO ESTADO DE FILIAÇÃO. FINALIDADE EXCLUSIVAMENTE PREVIDENCIÁRIA. VALORES NÃO PROTEGIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

(…)

11. A adoção por avós de neto maior de idade, no sistema do Código Civil de 1916, sem que houvesse a constatação de estado de filiação de fato, em princípio, não satisfazia nenhum propósito legítimo, notadamente quando o adotante, como no caso, possuía filhos biológicos. Tampouco  proporcionava aproximação ou criação de vínculos afetivos, não tinha como desígnio a retirada de pessoa de situação de desabrigo material, e, não tendo eficácia plena, também não conferia direitos sucessórios ao adotado. Ou seja, não há outra explicação lógica para a adoção cartorária como a ora em exame, entre avós (com filhos biológicos) e neta maior de idade, senão a de que foi levada a efeito para fins exclusivamente previdenciários.

12. E foi exatamente essa a moldura fática reconhecida pelo acórdão recorrido, no sentido de que a mencionada adoção não visou outro propósito senão ao recebimento de pensão militar, que somente era paga a filhas de militares. Tendo sido o de cujus genitor apenas de filhos homens, a adoção simples prevista no Código Civil de 1916 serviu bem a esse desiderato.

13. O vínculo nascido da adoção meramente cartorária, como a dos autos, realizada entre avós e neta maior de idade, puramente para fins previdenciários, não é aquele vínculo visado pela Constituição Federal de 1988, ao igualar as várias modalidades de filiação. A isonomia fincada na Carta de 1988 visou, a toda evidência, igualar situações jurídicas de quem efetivamente sempre foi filho, por vínculos biológicos ou socioafetivos, mas que o ordenamento jurídico anterior, por inveterado preconceito ou por vetusto moralismo, teimava em conferir tratamento jurídico diferenciado. Não é o caso dos autos.

14. Recurso especial não provido.[31]

Nesse sentido, também fundamenta o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO CIVIL. ADOÇÃO ENTRE BISNETO E BISAVÔ. IMPOSSIBILIDADE. ADOTANDO MAIOR DE IDADE. CÓDIGO CIVIL, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) E LEI NACIONAL DA ADOÇÃO. PRIMAZIA DA PONDERAÇÃO FEITA PELO LEGISLADOR. VEDAÇÃO DA ADOÇÃO ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE.

ART.42, §1°, DO ECA. VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSITIVO DE LEI. ART. 966, INCISO V, CPC.

(…)

Fonte: Jornal Jurid

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