Por Fernanda Maria Alves Gomes, tabeliã e registradora civil em Fortaleza (CE) e mestre em Direito pela UFPE.
A comissão responsável por apresentar o anteprojeto de revisão do Código Civil aprovou, em 4/4/2023, a versão final do texto do Livro de Direito da Família. Dentre as propostas, é inegável o avanço que representa a nova redação do artigo 1.533, que permite que o oficial de registro civil das pessoas naturais, ou seu preposto, se investido das funções de juiz de paz, seja a autoridade celebrante do casamento.
O artigo 226 da CF/88 estabeleceu como premissa que o casamento é civil e que sua celebração é gratuita. Também definiu que o casamento religioso pode ter efeito civil e facilitou a conversão da união estável em casamento. Percebe-se que para o legislador constituinte o casamento figura como a base da família e, como tal, ele deve ser incentivado.
Para a celebração do casamento, o artigo 98 da CF/88 dispôs sobre a criação da justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para celebrar casamentos, verificar o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas em lei.
No intuito de agilizar a implementação da justiça de paz, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu a Recomendação nº 16/2008, para que os Tribunais de Justiça enviassem projeto de lei às assembleias legislativas. Em que pese a recomendação, o fato é que a justiça de paz não está funcionando em todos os estados da Federação e as celebrações civis têm sido realizadas pelo que se pode identificar como juiz de casamento, terminologia mais adequada, já que a pessoa é nomeada para essa única finalidade.
Note-se que a possibilidade de o registrador ou seu preposto celebrar o casamento civil já é realidade por normatização de alguns Tribunais de Justiça, que reconhecem a dificuldade de se obter interessados em realizar a atividade de forma adequada e gratuita.
No estado do Rio de Janeiro, o Código de Normas Extrajudiciais identifica os juízes de paz como agentes honoríficos e detalha:
“Art. 748. Na circunscrição em que não haja juiz de paz ou suplente nomeado, a designação poderá recair sobre preposto do oficial de registro civil de pessoas naturais, atendidos os requisitos exigidos em ato regulamentar.
Parágrafo único. Não havendo preposto que preencha os requisitos, poderá a designação recair sobre o próprio oficial. (…)” (grifei)
No Espírito Santo e no Rio Grande do Norte é comum a nomeação de funcionários dos cartórios para celebrar casamentos e os próprios oficiais de registro podem ser designados para desempenhar essa função honorífica.
Excelente notícia
Certamente esses tribunais têm ciência da dificuldade de se encontrar pessoas aptas a presidir gratuitamente esse momento tão significativo para os casais que optam pelo casamento civil. Também entendem os riscos de uma ausência injustificada do celebrante ou uma cerimônia mal conduzida, por indevidas manifestações homofóbicas, com preconceito racial ou religioso por exemplo, o que pode ocasionar danos às partes e a responsabilização objetiva do Estado.
Por outro lado, é a opção mais prática para que ocorra a regular prestação do serviço, já que o oficial e os funcionários se encontram nas dependências do cartório e podem celebrar casamentos sempre que necessário. Ademais, a relação de trabalho já existente previne futuros litígios trabalhistas, que podem ocorrer com juízes nomeados pelos tribunais e que posteriormente pleiteiam, alguns com êxito, o reconhecimento do vínculo laboral junto às serventias.
Assim, essa proposta é uma excelente notícia na medida em que a inércia em se implementar a justiça de paz e ausência de lei federal regulando o tema tem causado interpretações equivocadas, como tribunais que proíbem a cumulação desse múnus público com a titularidade da delegação ou com a função de substituto do cartório. Ora: não é razoável exigir que o cidadão disposto a celebrar casamentos, o faça gratuitamente e ao mesmo tempo seja impedido de continuar exercendo sua atividade profissional remunerada, no caso trabalhar na serventia.
A imposição de restrições e impedimentos sem fundamento legal é pouco razoável e tem dificultado o exercício de uma atividade que exige desenvoltura e aptidão especial, já que se trata da celebração de ato extremamente significativo na vida dos casais, bem como sobrecarrega os juízes de Direito, que em regra também tem essa atribuição nas leis estaduais de organização judiciária.
Conclui-se que a previsão de que a autoridade que preside o casamento possa ser o oficial de registro ou seu preposto nomeado para essa atribuição atende ao interesse coletivo, não onera os cofres públicos e satisfaz a intenção do legislador constituinte de incentivar e facilitar a formalização da união civil.
Fonte: Conjur