Artigo – A reforma do Código Civil: direito das famílias – Por Maria Berenice Dias

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A Comissão de Juristas entregou formalmente a proposta de reforma do Código Civil em 18 de dezembro. Coordenada por Luis Felipe Salomão, com relatores Rosa Nery e Flávio Tartuce, o trabalho de seis meses focou principalmente no Direito de Família, resultando em modificações profundas e significativas.

Dia 18 de dezembro foi formalmente entregue o projeto de reforma do Código Civil pela Comissão de Juristas instituída pelo Senado Federal, sob a Coordenação Geral do Ministro Luis Felipe Salomão, tendo como Relatores Rosa Nery e Flávio Tartuce.

Foram seis meses de intenso trabalho. Os integrantes foram divididos em grupos temáticos e eu tive o privilégio de integrar o Subgrupo responsável pelo Direito de Família, certamente o Livro que mais necessitava de atualização e, por isso foram necessárias profundas e significativas modificações.

Em um primeiro momento foi necessário expurgar os institutos quem nem mais integram o sistema jurídico, mas permaneciam na lei como letra morta, como a separação judicial. Do mesmo modo foram afastadas as desequiparações dos papeis parentais, com especial atenção à necessidade de se atentar às questões de gênero.

Em face da revolução promovida pelo IBDFAM, no que diz com os vínculos de conjugalidade e parentalidade, a responsabilidade ética do afeto foi erigido a princípio fundamental das estruturas de convívio. Daí a inserção de novas situações tal como a socioafetividade, a multiparentalidade, a responsabilidade indenizatória pelo abandono afetivo e a apenação pelo descumprimento da obrigação de assegurar o compartilhamento dos encargos parentais.

Direito das Famílias

Como as palavras importam, o projeto sugere a alteração do seu nome para Direito das Famílias, atentando à pluralidade do conceito de família trazido pela Constituição da República, e que foi dilatado por obra e graça da jurisprudência.

Entidades familiares

Diante da terminologia constitucional que utilizou a expressão entidade familiar, ao reconhecer a família como base da sociedade conferindo-lhe especial proteção, assim devem ser denominadas as regras gerais que regem não só o casamento e a união estável, mas também as outras estruturas de convício.

Como o STF proclamou a inconstitucionalidade da discriminação entre casamento e união estável, por ferir o princípio da igualdade, houve a equalização do tratamento de ambos, apesar de receberem regramentos próprios.

Aos integrantes das entidades familiares – todas elas – foram estabelecidos os deveres recíprocos de:

respeito, assistência e consideração mútuos;

cuidado, sustento, e educação dos filhos;

mesmo que separados, compartilhar, de forma igualitária o convívio e os encargos para com os filhos e os animais de companhia.

Dever de fidelidade e de lealdade

Foi afastado o dever de fidelidade dos cônjuges e de lealdade dos conviventes,  invasão injustificada à esfera da autonomia de vontade dos parceiros. Até porque, com o fim do instituto da separação judicial foi afastada a perquirição da culpa para a exclusão de todo e qualquer direito.

Famílias parentais

Ainda que reconhecidas constitucionalmente, as chamadas famílias monoparentais ou solo foram esquecidas pelo legislador civil.

Recebeu o nome de famílias parentais as constituídas pelo convívio de pessoas com vínculo de parentesco natural, socioafetivo, civil ou de outra origem.

Foram chamadas de famílias monoparentais as entidades familiares formadas por um ascendente e seus descendentes, qualquer que seja a natureza da filiação ou do parentesco.

A estas estruturas de convício foram atribuídos os mesmos direitos e deveres das demais entidades familiares, devendo-se atentar à perspectiva de gênero de quem desempenha os encargos parentais.

Famílias recompostas

As entidades familiares formadas por pessoas egressas de outros relacionamentos, constituem vínculo de parentesco por afinidade entre o cônjuge ou o companheiro e os enteados.

Reconhecida a constituição de vínculo de filiação socioafetiva entre eles, é possível o registro da multiparentalidade, sem afastar ou limitar os encargos parentais do genitor.

Casamento

A habilitação para o casamento foi desburocratizada, acabando com a necessidade de editais e proclamas. Foi igualmente dispensada a figura do celebrante, atribuição delegada ao registrador civil ou à pessoa que os cônjuges elegerem, que inclusive pode ser uma autoridade religiosa, uma vez que foi mantida a possibilidade do registro civil do casamento religioso.

União estável: estado civil

Foi suprida a omissão do legislador de reconhecer que a união estável constitui o estado civil de conviventes.

Como a união estável gera efeitos de natureza patrimonial, indispensável que a condição familiar de quem vive em união estável seja publicizada, sob pena de gerar enorme insegurança jurídica a quem tem relações negociais com um deles.

Regime de bens

Finalmente, a exclusão do regime da separação obrigatória, não só com referência aos 70+, mas em todas as outras hipóteses legais. O reconhecimento de que é a sepração de fato que delimita o fim da comunicabilidade patrimonial, não existe risco de embaralhamento de bens para fins de partilha ou inventário.

Outro natimorto que foi enterrado: o regime de participação final dos aquestos, novidade que nunca saiu do papel.

Remanescendo somente os regimes da comunhão parcial, comunhão universal e separação de bens, foi assegurada a eleição de qualquer um desses regimes diretamente perante o registro civil, quando da habilitação do casamento ou registro da união estável.

Persiste a exigência de escritura pública quando houver mescla de regimes ou a inserção de qualquer cláusula de natureza patrimonial ou existencial.

De outro lado, a alteração do regime de bens tanto no casamento como na união estável passa a ser extrajudicial, sem a necessidade de participação do Ministério Público. Afinal, diz com deliberações de pessoas maiores de idade e capazes, dispondo sobre questões estritamente patrimoniais.

Comunicabilidade patrimonial

Houve a preocupação de explicitar os bens que se comunicam ou não, quando o regime eleito admite a comunicabilidade dos aquestos.

Entram na comunhão:

o aumento de valor dos bens particulares em razão das benfeitorias realizadas;

os direitos patrimoniais sobre as quotas ou ações societárias adquiridas na constância do casamento ou da união estável;

a valorização das quotas ou ações societárias que decorreu do esforço comum do casal, ainda que sua aquisição tenha acontecido antes do início do relacionamento;

a valorização das quotas sociais ou ações societárias decorrente dos lucros reinvestidos na vigência do casamento ou união estável, ainda que  sua constituição tenha ocorrido antes do início da convivência.

São excluídos da comunhão:

os bens de uso pessoal, os livros e os  instrumentos necessários para o exercício da profissão ou ofício, que não sejam de valor extraordinário;

as previdências privadas fechadas.

Aval

Acabou afastada a necessidade da concordância do cônjuge ou companheiro para a outorga de aval. Até porque sua aquiescência significa  os transformar em avalistas.

No entanto, caso o avalista tenha que honrar o aval concedido, a meação do cônjuge ou do companheiro ficam preservada.

Separação de fato

Mais um tema consagrado doutrinária e jurisprudencialmente foi reconhecido: é a separação de fato que marca o fim da conjugalidade e a comunicação patrimonial.

Afastando-se a esdrúxula possibilidade de seus efeitos persistirem após dois anos da morte de um dos cônjuges (CC, art. 1.830).

Divórcio unilateral

Atendendo à tendência que se alastrou, foi regrado o divórcio liminar. Quer a dissolução do casamento ocorra judicial ou extrajudicialmente. Cabe ser decretado a título de tutela antecipada, dependendo o seu registro de simples notificação do outro cônjuge.

O divórcio pode ser levado a efeito extrajudicialmente, mesmo havendo nascituro, filhos menores de idade ou incapazes. Basta haver consenso quanto a convivência e o estabelecimento de alimentos a favor deles e, eventualmente, ao ex-cônjuge. Somente nestas hipóteses é necessária a participação do Ministério Público.

Dissolução post mortem do casamento e da união estável

Depois de proposta a ação de divórcio ou de dissolução da união estável, a morte de uma das partes, não extingue o processo. Podem os herdeiros prosseguir com a ação, dispondo a sentença de eficácia retroativa à data da morte.

Parentalidade

Outra atualização terminológica necessária: ao invés de paternidade ou maternidade se falar em parentalidade, até porque os vínculos parentais não são compostos necessariamente de um pai e uma mãe. Quer em face da filiação homoparental, quer pelo reconhecimento da multiparentalidade.

Autoridade parental

Primeiro se chamava pátrio poder. A alteração para poder familiar também não agradou. Afinal, os pais não tem poder sobre os filhos. Eles têm é responsabilidades para com eles. Daí a adoção do termo eleito pela doutrina: autoridade parental, até para individualizar as iguais responsabilidades dos pais para com sua prole.

Dupla residência

O divórcio ou a dissolução da união estável dos pais não altera as relações com os filhos, bem como suas responsabilidades, impondo o compartilhamento do exercício da parentalidade.

Deste modo, de todo descabida a eleição de um lar de residência. Independente do tempo em que o filho permanece na companha de um ou de outro. O filho tem dupla residência, como faculta a própria lei (CC, art. 71). Afinal, ele tem mesmo duas casas.

Guarda e visitas

Estas abomináveis expressões foram banidas.

Nem os filhos são objetos que ficam sob a guarda de um ou do outro, como também o genitor não se limita a visitá-los.

Como o exercício da autoridade parental compete aos pais, é impositivo o compartilhamento da convivência e a responsabilidade igualitária dos deveres de cuidado, criação e educação.

Trata-se de deveres dos pais e direitos dos filhos de terem suas necessidades atendidas por ambos.

Imposto o compartilhamento dos encargos parentais, não é estabelecido somente o tempo de convivência com um e com o outro.  Os encargos parentais tem que serem exercidos pelos genitores de forma igualitária.

Convivência unilateral e compartilhada

Afastada a possibilidade de qualquer dos pais simplesmente abrir mão das suas responsabilidades parentais, não mais é possível, nem mesmo por consenso, atribuir a somente um deles a guarda unilateral. Afinal, ambos têm deveres para com os filhos, decorrentes da autoridade parental.

Assim, a convivência é sempre compartilhada, com divisão equilibrada não só do tempo de convívio, mas também dos encargos parentais.

A interferência na formação psicológica da criança, mediante a prática de atos que desqualifiquem o convívio entre pais e filhos e os respectivos parentes, impõe a determinação de acompanhamento psicossocial de quem assim age, de modo a garantir o exercício da convivência compartilhada.

Reconhecida a animosidade entre os pais, de modo a prejudicar a convivência harmônica com ambos, o juiz determinará o acompanhamento psicológico dos genitores e do filho, indicando um mediador para estabelecer um planejamento para o exercício da parentalidade e o acompanhamento da sua execução.

Convívio unilateral

O afastamento do convívio do filho com um dos genitores somente cabe ser imposto judicialmente, quando reconhecido que a convivência pode comprometer seu desenvolvimento saudável ou causar-lhe algum prejuízo.

Quando a proteção aos interesses do filho exigir o afastamento liminar de um dos genitores é necessário que as partes sejam ouvidas e que tal seja recomendado por estudo psicossocial.

Atribuído o convívio unilateral, o juiz deve determinar periódica reavaliação social e psicológica, para ver da possibilidade do retorno ao compartilhamento.

Ainda assim, o afastamento de um dos pais não suspende o seu direito de conviver com o filho. A depender da gravidade da situação os contatos podem ocorrer de forma assistida.

Descumprimento dos deveres parentais

Imposto o compartilhamento dos encargos parentais, tal não significa exclusivamente a divisão equilibrada  do tempo de convivência. Implica no exercício de forma igualitária das obrigações parentais. É o que se chama de responsabilidade pelo cuidado.

Em face disso, o descumprimento imotivado do regime de convivência, a omissão de um dos pais em informar a alteração de residência, bem como a ausência de informações relevantes sobre o filho, autorizam a aplicação da pena de advertência.

A reiteração de tais comportamentos pode ensejar a imposição do convívio unilateral com o outro genitor, preservada, no entanto, a convivência assistida com o outro, até que seja comprovada a possibilidade de ser restabelecido o compartilhamento.

Se o juiz verificar que nenhum dos genitores tem condições de exercer os deveres parentais, concederá a guarda do filho a algum membro da família extensa com quem ele mantém relações de afinidade e afetividade.

Comprovado o descumprimento presume-se a ocorrência de dano, que sequer precisa ser provado. Para a imposição de obrigação indenizatória por danos materiais e morais, basta a prova da omissão.

Dolo presumido

O descumprimento por qualquer dos pais dos deveres inerentes à autoridade parental, bem como o de assegurar o exercício compartilhado dos encargos de convivência e cuidado, gera obrigação indenizatória por danos materiais e morais. Tratando-se de dolo presumido, descabe avaliar eventuais reflexos danosos no filho, bastando a prova da responsabilidade pelo inadimplemento do dever de convívio.

Perda da autoridade parental

Foi afastada a possibilidade de os pais castigarem moderadamente os filhos. Algo inadmissível até para fins educacionais, como muitos justificam.

Agora a perda da autoridade parental se justifica quando o genitor:

não a exercer no melhor interesse do filho, em casos como assédio ou abuso sexual, violência doméstica ou abandono material, moral ou afetivo;

submeter o filho a qualquer tipo de violência, de modo a comprometer sua integridade física, moral ou psíquica;

deixar de cumprir o dever de convivência, sustento e educação;

impedir ou dificultar a convivência do filho com o outro genitor.

Socioafetividade e multiparentalidade

O reconhecimento da parentalidade socioafetiva não exclui o vínculo de filiação natural.

Flagrada a concomitância de vínculos de natureza biológica e socioafetiva, acabou a jurisprudência impondo o reconhecimento da multiparentalidade, assegurando os mesmos e iguais direitos e obrigações independente da sua origem.

A concomitância da parentalidade não atribui somente iguais responsabilidades. Também é obstáculo à desconstituição desses vínculos quando reconhecida a presença da pose de estado de filho.

Adoção de maiores de idade

Foi afastada do ECA a adoção de pessoas maiores de idade, que passa a acontecer extrajudicialmente. Caberá ao Oficial do Registro Civil certificar-se da intenção legítima para a adoção. Indispensável a ciência dos pais registrais, mas não a concordância com a adoção.

Animais de estimação

Mesmo depois da separação dos tutores, foi estabelecido o dever de cuidado para com os animais de estimação, bem como a divisão das despesas de custeio, verba que não autoriza a prisão civil do devedor.

Reconhecimento da parentalidade

Com a possibilidade de identificar o vínculo genético, com certeza absoluta – ou quase – via exame do DNA, a Lei 8.560/1992, que regula a investigação oficiosa da parentalidade, e que nunca alcançou a efetividade almejada, perdeu totalmente a razão de subsistir.

Pelos dados da ARPEN, entre os anos de 2016 e 2021, 16 milhões de crianças foram registradas somente com o nome da mãe. Cerca de 500 por dia.

Agora, indicando a mãe ao Oficial do Registro Civil, quem é o genitor, o expediente é encaminhado ao juiz, que a ouve novamente para só depois ser intimado o pai para, no prazo de 30 dias, promover o registro.

Mantendo-se ele inerte, cabe ao Ministério Público promover ação de investigação de paternidade, havendo a necessidade de nova citação do réu.  E, enquanto isso, o filho fica sem o direito à identidade paterna e sem alimentos.

Necessário é desjudicializar este procedimento.

Diante da indicação da mãe de quem é o pai, cabe ao oficial promover sua intimação para promover o registro ou para marcar a data do exame do DNA, sendo advertido de que, se não comparecer. o filho será registrado em seu nome.

Promovido o registro, o expediente é enviado para o Ministério Público ou Defensoria Pública para ser promovida a ação de alimentos e de regulamentação da convivência.

Somente na hipótese de não localização do pai o expediente será enviado ao Ministério Público para promover a ação de investigação da paternidade, alimentos e convivência.

A qualquer tempo o pai poderá buscar judicialmente a exclusão do seu nome do registro, mediante a prova da inexistência do vinculo biológico ou socioafetivo.

Reprodução assistida

 Finalmente ingressa no âmbito da tutela legal a reprodução humana assistida, tão parcamente prevista no Código Civil, ao tratar da presunção de paternidade.

Todo o resto é regido pelo Conselho Federal de Medicina, que ia além de sua atribuição precípua de regulamentar a atividade profissional dos médicos.

O registro de nascimento da criança nascida por reprodução assistida será feito em nome de quem o Oficial do Registro Civil reconhecer como autores do projeto parental, havendo a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade.

Alimentos às pessoas incapazes

Foi estabelecida a solidariedade da obrigação alimentar nos casos de o alimentando ser incapaz.

Nesta hipótese, comprovado que o réu não dispõe de condições de suportar integralmente o encargo, o credor pode requerer, a qualquer tempo, a inclusão no polo passivo da ação de outros coobrigados.

Alimentos e economia do cuidado

Houve toda uma preocupação em atentar às questão de gênero, quando do estabelecimento dos alimentos.

Deste modo foi assegurado a quem se dedicou aos cuidados para com os filhos e o domicílio da família, o direito a obter uma compensação, quando do término da entidade familiar

Alimentos gravídicos

Acabou integrado ao Código Civil os alimentos gravídicos, para explicitar de forma mais clara o termo inicial da obrigação: a data da concepção. Independente de quando a ação for proposta.

De outro lado, foi facultado ao juiz que, ao estabelecer os alimentos gravídicos, já fixe os alimentos destinados ao filho quando do seu nascimento.

Alimentos compensatórios

Houve enorme preocupação em distinguir as modalidades que autorizam a concessão de alimentos compensatórios.

Cabe sua imposição quando a ruptura do relacionamento produz acentuado desequilíbrio econômico que importe em uma queda brusca do padrão de vida de um dos cônjuges ou companheiros.

Recebeu o nome de alimentos compensatórios humanitários quando forem concedidos a favor de quem se dedicou à família, colaborou com o trabalho do cônjuge ou companheiro e não percebeu bens cuja renda garanta o seu sustento.

Foram nominados de alimentos compensatórios patrimoniais a imposição de pagamento de parte da renda líquida dos bens comuns que se encontrem na posse exclusiva de um deles, enquanto não ocorrer a partilha.

Alimentos transitórios

O dom do exercício da futorologia aos juízes foi consagrado em lei. Tem eles o poder de estabelecer alimentos transitórios, quando preverem que o alimentando reúne aptidão a obter, por seu esforço, renda suficiente para a própria mantença. Deste modo, aleatoriamente, fixam o lapso temporal que consideram necessário e razoável para que a pessoa promova sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho.

Tutela

Foi admitida a possibilidade de os pais indicarem, ou o juiz nomear, um tutor existencial, alguém com quem o filho mantém vínculo de convivência e afetividade e outro tutor patrimonial, para a administração de seus bens.

O exercício da tutela deixou de ser obrigatória e a escusa pode ser imotivada.

Tomada de decisão apoiada

A pessoa com deficiência pode escolher mais de uma pessoa para que lhe preste apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil.

O procedimento foi desjudicializado. O pedido deverá ser formulado perante o registro civil, sujeitando-se à apreciação do Ministério Público.

Curatela

Preservada a capacidade do curatelado para prática de atos existenciais, é descabido exigir a presença do curador na habilitação para o casamento.

Sua intervenção é necessária tão somente para a escolha de regime de bens diverso do legal.

O que mais deveria ter entrado na reforma?

Claro que o conservadorismo, que só cresce, acaba respingando também no legislador e em quem se propõe a legislar.

Assim, situações merecedoras de tutela não foram incorporadas, como foram mantidas previsões absolutamente descontextualizadas da realidade dos dias atuais.

Multiconjugalidades

Está mais do que na hora de acabar com a hipocrisia.

Entidades familiares formadas por mais de duas pessoas, bem como a mantença de famílias simultâneas são realidades que existem e sempre existiram.

Como esta é uma façanha exclusivamente masculina, conta com a conivência da sociedade e é incentivada pela justiça que ainda insiste em afirmar que não existem. Com isso o homem é privilegiado e as mulheres são punidas. Nada lhes é concedido, ainda que o relacionamento atenda a todos os requisitos de uma união estável.

A condenação à invisibilidade subtrai deveres e obrigações dos homens, o que vem em prejuízo não só das mulheres, mas principalmente dos filhos deste relacionamento. É que, ao se negar a divisão do patrimônio – ao menos sobre a meação do varão – os filhos não terão direitos sucessórios sobre o patrimônio que a mãe ajudou a amealhar, mas deixou de receber. Todos os bens vão pra os irmãos unilaterais do relacionamento “oficial”, o que afronta a proibição constitucional de tratamento discriminatório entre filhos.

Obrigação alimentar entre parentes

São inúmeras as referências legais de que a obrigação alimentar existe entre os parentes, sendo assim reconhecidos os vínculos até o quarto grau, o que inclui tios, sobrinhos, tios avós, sobrinhos-netos e primos.

No entanto, a leitura equivocada do Código atual, que se limitou a estabelecer a igualdade da obrigação entre irmãos germanos e unilaterais, levou a justiça a reconhecer que a obrigação alimentar alcança somente os irmãos.

Além de equivocada, a restrição é de toda injusta, uma vez que os direitos sucessórios alcançam todos os parentes, não só os irmãos. Assim, quem não tem obrigação de prestar alimentos pode ser beneficiado com a herança de quem morreu, quiçá, por inanição.

Ainda assim o projeto sacramentou esta injustiça,

E o que deveria ficar fora do projeto de reforma?

Há previsões que remanesceram no Código e lá não mais mereceriam permanecer.

E outras que foram previstas, sem que nada justifique a inclusão.

Cláusula de ruptura

Como as relações afetivas ainda são tão assimétricas é que se chamar, no mínimo, de temerosa a possibilidade de estipulação de cláusulas de ruptura. Nada mais do que a renúncia prévia a direitos em pactos conjugais e convivenciais.

E, quando do fim do relacionamento, de nada adianta sujeitar a eficácia de tais estipulações ao livre arbítrio judicial. Até porque, não há nada mais difícil do que a demonstração da ocorrência de grave prejuízo a um dos cônjuges ou companheiros por afronta ao princípio da igualdade.

Usufruto dos bens dos filhos

Indispensável acabar com a condição dos pais de usufrutuários do patrimônio dos filhos. A eles cabe somente o dever de administrá-lo e não há qualquer motivo para poderem se apropriar dos frutos e rendimentos de bens que não lhe pertencem.

Curatela do nascituro

Nada justifica ter permanecida a esdrúxula figura da curatela do nascituro.

Não há como reconhecer que a gestante não poderá exercer o poder familiar do filho que ainda não nasceu.

Mesmo quando estiver ela sob curatela, descabido atribuir um curador a quem ainda se encontra no útero materno.

Enfim…

Estas foram as alterações possíveis, certamente aquém da expectativa de todos.

Mas quem sabe, até o projeto se transformar e lei, outros avanços aconteçam.

É preciso acreditar!

Maria Berenice Dias: Advogada, desembargadora aposentada e vice-presidente nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Fonte: Migalhas

 

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