Advogada pontua principais alterações e avanços relacionados ao registro de filhos de casais homoafetivos no país

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O reconhecimento legal das relações homoafetivas é um assunto controverso e de grande repercussão sociocultural que, ao longo do tempo, sofreu significativas mudanças, especialmente ao que perpassa a concepção de família que, apesar de tardia, foi equiparada. Assim sendo, após publicação da decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2013, que possibilitou os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mais de 84 mil celebrações de matrimônios foram feitas no país.

Além disso, um outro avanço importante no que tange os direitos da população LGBTQIAP+ é a possibilidade de registro de dupla maternidade ou paternidade a casais homoafetivos com filhos, promovida pelo Projeto de Lei 5423/20. Ainda em análise pela câmara, se aprovado, passará a permitir o registro no documento de identificação com o nome dos genitores como sendo de duas mães ou de dois pais, conforme o caso.

Apesar das diferenças presentes nos procedimentos de registro para filhos de casais homoafetivos, o presidente da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen-BA), Carlos Magno, garante que são diferenças procedimentais exigidas para que seja identificado se existe compatibilidade biológica entre os genitores, ou seja, se o nascimento é em decorrência de uma reprodução natural entre duas pessoas de sexos biológicos distintos. “Quando os pais possuem o mesmo sexo biológico, em razão da incompatibilidade para a concepção, a legislação brasileira autoriza o registro diretamente no cartório do registro civil somente quando o nascimento decorreu de técnica de reprodução medicamente assistida. Assim sendo, na hipótese do nascimento havido por reprodução caseira, eventual registro de nascimento depende de autorização judicial”, explicou.

O presidente da Arpen/BA destacou ainda que é preferível que as expressões “casal heterossexual” ou “casal homoafetivo” não sejam utilizadas. Carlos Magno explica que é uma forma de não distinguir a diferença de tratamento entre os indivíduos: “em razão da possibilidade de mudança de gênero, pode haver ou não haver compatibilidade biológica entre casais hetero ou homoafetivos. Por exemplo, num casal heterossexual formado por um homem transgênero e uma mulher cisgênero, não há compatibilidade biológica, pois ambos possuem aparelho reprodutor feminino. Já em um casal homoafetivo formado por uma mulher transgênero e uma mulher cisgênero, há compatibilidade biológica”, disse.

“O artigo 512 e seguintes do Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial estabelece as diretrizes para o registro de nascimento de criança havida por técnica de reprodução assistida. O dilema é que se trata de procedimento com um custo inacessível para grande parte da população brasileira, que por falta de recursos ou até mesmo por desconhecimento terminam por optar pela reprodução caseira, sem assistência médica, que além de pôr em risco a saúde da pessoa parturiente e do bebê, enfrenta dificuldade na hora do registro de nascimento que somente pode ser lavrado mediante autorização judicial”, complementa Carlos Magno.

Em entrevista exclusiva à Arpen/BA, a advogada e pós-graduada em Direito Registral e Notarial, Beatriz Britto, pontuou as principais alterações e avanços relacionados ao registro de filhos de casais homoafetivos. Leia abaixo a entrevista completa:

 

Arpen/BA – Quais são os principais avanços legislativos relacionados aos direitos de filhos de casais homoafetivos ao longo dos últimos anos?

Beatriz Britto – A adoção no Brasil passou por vários avanços históricos, já que antes da década de 1980, era vista como um simples ato de caridade do adotante. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, os filhos havidos por adoção possuem os mesmos direitos daqueles decorrentes da filiação biológica, o legislador garantiu a equiparação entre estes, afastando-se a antiga e equivocada tradição de distinguir os filhos de acordo com sua “origem”.

Nesse sentido, com as modificações trazidas pela Carta Magna, o Estatuto da Criança e Adolescente ampliou ainda mais direitos em relação à filiação por adoção, bem como, o regramento do processo de adoção deve seguir as diretrizes descritas no supramencionado regulamento, inclusive utilizando-se dessas normas para a adoção de pessoas com mais de dezoito anos, de forma subsidiária.

Para mais, entre os principais progressos relacionados à adoção por casais homossexuais, cabe citar a decisão proferida ao Recurso Extraordinário 846.102, pelo Supremo Tribunal Federal, no ano de 2015, a qual tutelou que as mesmas regras da união estável heteroafetiva, dispostas no art. 1.723 do Código Civil, deveriam ser utilizadas para o reconhecimento da união homoafetiva.

Com base nesse entendimento, a relatora Ministra Carmen Lúcia, acrescentou que se as uniões homoafetivas são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, a merecer tutela legal, logo não haveria razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê.

Nesse diapasão, a Ministra deixou claro que delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento.

            Vale esclarecer que, em 2009 foi admitida a primeira adoção, e os juízes estavam habilitando casais homossexuais a adotarem, mas o posicionamento do STF foi essencial para consolidar o entendimento sobre a matéria, assim criando-se precedente para tratar casos futuros.

            Sendo assim, a adoção está prevista no ordenamento jurídico, tanto pelo Código Civil, quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e os direitos garantidos aos filhos adotados por casais homossexuais e adotados por casais heterossexuais são os mesmos.

Outrossim, quando o adotado for maior de doze anos, a adoção só poderá ser realizada com seu consentimento; a adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso; e o adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos, entre outros.

Por fim, a nossa Lei Maior proíbe qualquer forma discriminatória entre os filhos adotados e biológicos, com isso o filho adotivo terá direito à herança do adotante em igualdade de condições com um filho biológico, já que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes.

Arpen/BA – Em termos de registro civil, quais são os procedimentos e requisitos para garantir o reconhecimento legal de filhos de casais homoafetivos?
            Beatriz Britto – Quando o casal recebe a sentença judicial favorável à adoção da criança ou do adolescente, a primeira coisa a se fazer é atualizar o seu registro de nascimento, que agora constará os dados da nova família, desse modo o primeiro registro, feito pelos pais biológicos, é cancelado e deixa de surtir efeitos. Diante disso, para solicitar a substituição do registro e da sua respectiva certidão, os novos pais ou novas mães devem comparecer ao Cartório de Registro Civil portando a seguinte documentação:

  1. a) Sentença judicial de adoção;
  2. b) RG e CPF dos pais ou das mães;
  3. c) Certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal;
  4. d) Documentos pessoais anteriores do filho adotado.

Isto posto, com o novo registro de nascimento é necessário que sejam emitidos novos documentos de identificação, como RG e CPF, para o adotado.

Arpen/BA – Como a legislação aborda questões de filiação e parentalidade em casos de adoção por casais homoafetivos? Existem diferenças em relação aos casais heterossexuais?

Beatriz Britto – O art. 42, §2º, do Estatuto da Criança e Adolescente, esclarece que para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. Diante disso, verifica-se que com o reconhecimento da união de casais homoafetivos, proferida ao Recurso Extraordinário 846.102, pelo Supremo Tribunal Federal, estes casais são aptos para adotar.

Sendo assim, a legislação tutela que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Ainda, estabelece que se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.

Cabe pontuar que, o art. 25, parágrafo único, do Estatuto da Criança e Adolescente, dispõe sobre adoção por família extensa, a qual é formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

 A adoção por família extensa ou ampliada é uma maneira de manter a criança no seio de sua família originária ou biológica, caso esta tenha a possibilidade de dar a ela condições de crescimento saudável e respeitando os seus direitos fundamentais. Na teoria não há diferenciações entre a adoção de casais heterossexuais e homossexuais, já que ambas as relações são consideradas como famílias, cabendo apenas a estas provar a estabilidade familiar.

Fonte: Assessoria de comunicação da Arpen/BA.

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