Artigo – Conjur – Reengenharia da gestão do tempo familiar nos tempos fluídos – Por Jones Figueirêdo Alves

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Há quem sustente que no atual esplendor tecnológico vivemos um novo Renascimento. Entretanto, os impactos da vida cotidiana fragmentam as relações saudáveis diante dos nossos próprios vínculos, em desordem de tempos insuficientes que vulneram o necessário tempo de uma vida afetiva.

Não mais nos pertencemos, no protagonismo dos desafios diários; e diante de tamanhas expropriações de tempo as convivências deficitárias reclamam a recuperação da pessoa a ser presente nas relações familiares.

O uso do tempo precisa ser revisto para sua melhor eficiência, por métodos de gestão e de resultados, em denominada “reengenharia do tempo” (“reengineering of time”), reordenando-se as horas produtivas na arte de viver em família.

“As novas tecnologias subvertem as noções de tempo e de espaço”, o que tornam urgente uma reengenharia temporal que reconquiste os espaços familiares em seus núcleos fundantes ou secundários. Pais ausentes, casais carentes, famílias indigentes de afeições mútuas. Tempos líquidos, na assertiva de Zygmunt Bauman [1]. “Liquefação” ou “fluidez” como uma das metáforas mais atuais para a pós-modernidade.

A Gestão do Tempo de Família, para um desempenho valioso de presença e de interação recíproca, entre pais e filhos e entre os cônjuges, diz respeito, portanto, às responsabilidades inerentes ao grupo familiar, importando à essa disciplina organizacional do tempo serem introduzidas técnicas de gerenciamento útil, bem empregadas por estratégias de administração. Viver a família é realizá-la e dinamizá-la enquanto tal.

Há um tempo parental que exige melhor atuação das relações entre pais e filhos, notadamente quando os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores (art. 1.630, Código Civil). Há um tempo avoengo recíproco exigível à necessária convivência entre avós e netos (parágrafo único introduzido ao art. 1.589 do Código Civil pela Lei nº 12.398/2011). Há um tempo de os filhos maiores assistirem os pais na velhice, carência ou enfermidade, dedicados a protegê-los com ajuda e amparo (art. 229, 2ª parte, Constituição Federal). Tempos parentais nas relações entre aqueles do núcleo fundante e nas relações entre todos os demais familiares (núcleos secundários).

Há um tempo conjugal ou convivencial posto a ser exercido nas dimensões ideais de comunhão de vida, em verdadeira eficácia do casamento ou da união estável (artigos 1.566, I e II e 1.724 do Código Civil).

E há também um tempo do casal parental, formado pelos pais separados em relações de cada um deles perante os filhos comuns (artigos 1.632 do Código Civil). Nesse caso, o tempo da guarda compartilhada assume relevante expressão jurídica, com seu novo significado (art. 1.583, parágrafo 2º, do Código Civil, conforme a Lei nº 13.058, de 22.12.2014). Mais precisamente: “Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.

Anota-se, assim, que uma contribuição do direito à gestão do tempo familiar, como gestão responsável para um investimento afetivo adequado, desafia a nosso sentir, notáveis esforços da doutrina e da legislação, aptos a produzirem casais, filhos e demais familiares melhor realizados pessoalmente por amor, assistência e respeito mútuos.

No ponto, VII Jornada de Direito Civil, do Conselho de Justiça Federal (Brasília, 28-29/09/2015), ofereceu valioso contributo, com três Enunciados direcionados à gestão do tempo familiar. Lembremos:

(i) Enunciado nº 603 – A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o parágrafo 2º do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.

(ii) Enunciado nº 604 – A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe ou com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo parágrafo 2º do art. 1.583 do Código, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na companha do filho.

(iii) Enunciado nº 606 – O tempo de convívio com os filhos “de forma equilibrada com a mãe e com o pai” deve ser entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada um”.

Como se observa, todos os tempos de família precisam ser bem gerenciados.

Pois bem. O tempo de convívio com os filhos assume necessidade de uma melhor gestão, designadamente quando se trata de um tempo judicializado. Diz respeito às definições de “visitação familiar” que, em princípio, impõe, certa mitigação ao pleno exercício do poder familiar ao tempo que visitação e convívio nem sempre significam (temporalmente, inclusive) a mesma coisa para aquele genitor desprovido da guarda.

É certo que os pronunciamentos dos cônjuges, com a higidez da manifestação de vontade das partes, podem deliberar sobre a intenção do divórcio, disposições de divisão de bens e de dívidas em comum (os direitos que se acham em estrita disponibilidade para uma transação possível, sem depender de homologação). Todavia, quando na esfera familiar dos filhos, qualquer acordo no tocante ao regime de guarda, de visita e de alimentos, em relação a eles, “assume o viés de mera proposição submetida ao Poder Judiciário”.

Daí, com urgente objetividade, o RESp. nº 1756100/DF, sob relatoria do min. Marco Aurélio Bellize, desponta a ponderar que o magistrado “haverá de sopesar outros interesses, em especial, o preponderante direito da criança, podendo, ao final, homologar ou não os seus termos”. Mas não é só. Afirma, ainda, o relator que:

“Em se tratando, pois, de mera proposição ao Poder Judiciário, qualquer das partes, caso anteveja alguma razão para se afastar das disposições inicialmente postas, pode, unilateralmente, se retratar. Ressalte-se, aliás, que, até mesmo após a homologação judicial acerca do regime de guarda, de visita e de alimentos relativos ao filho menor, se uma circunstância superveniente alterar os fatos submetidos ao Juízo, absolutamente possível que seus termos sejam judicialmente alterados por provocação das partes”. [2]

Ora. Um dos primeiros crivos de aferição jurisdicional condiz, exatamente, com a gestão do tempo familiar, consoante os Enunciados da VII JDC/CJF, antes proclamados.

De efeito, portanto, será sempre recomendável que em litígios de família, faculte-se que o casal, mesmo sob as desavenças pessoais entre si, busque a melhor avença possível em relação aos filhos, ciosos que se achem de suas responsabilidades parentais. Devem melhor dispor sobre uma gestão de tempo de convivência em favor deles.

Negociações sobre a administração do tempo, envolvem elementos básicos de organização onde família, trabalho e vida, representam uma tríade temporal absoluta e decisiva para confortar todos os interesses, cumprindo-se ganhos e não perdas para todos.

A esse propósito, Christian Barbosa, um dos maiores especialistas em gerenciamento do tempo, em sua obra “A Tríade do Tempo”, logo adverte: “A vida é curta, por isso não faça dela um rascunho. Pode não dar tempo de passá-la a limpo”. [3]

Ao estabelecer um conceito de tríade do tempo, ele assinala a divisão temporal em três significativas esferas: (i) urgente; (ii) importante (ii) e (iii) circunstancial; e propõe uma mudança de paradigmas, a partir de uma não interseção das esferas. Ou seja, os três critérios para o uso do tempo, integrando, em seu conjunto, toda a forma que nós utilizamos para o nosso tempo, devem ser bem avaliados.

E aponta a esfera da estrada certa, a da esfera da importância, porque “refere-se a todas as atividades que você faz e que são significativas em sua vida, aquelas que trazem resultado a curto, médio ou longo prazo” (obra cit., p. 44). Na esfera da urgência, estão as atividades para os quais o tempo é sempre curto (ou se esgotou). Na circunstancial, o tempo é supérfluo, (sem fatos fundantes), o gasto temporal é inútil muitas vezes, a estrada não conduz a lugar nenhum.

Logo se observa da esfera da importância, os tempos importantes em família (e da família), em seus sentidos finalísticos. Há, seguramente, um investimento continuado nos afetos, na formação e no futuro dos filhos, na consolidação dos laços familiares.

Lado outro, importa assinalar, diante das diretivas antes enunciadas, que o tempo de convívio familiar, por sua forma equilibrada de divisão temporal, quando não atendido, “sponte propria”, nas situações propositivas em conflitos familiares; reclama, por isso, a devida intervenção judiciária, para a melhor disciplina da gestão desse tempo específico.

Estudo recente sobre a “perícia social”, de autoria de Francine Signaolin Schmidt, ao demonstrar a importância do trabalho de investigação e diagnóstico do profissional do serviço social, junto aos demais estudos, como os dos psicólogos, em avaliações psicológicas, aponta, com precisão, que “os litígios de família, em sua maioria, implicam na necessidade de exames científicos e técnicos avançados, pois depende de conhecimento que esteja fora do alcance do homem-médio” [4].

De fato. A magistratura de família dependerá, quase sempre, de uma metodologia da tríade do tempo, a partir de estudos técnicos e setoriais, quando se trata, principalmente, de proteção da criança, para uma convivência saudável em companhia dos pais que estejam separados. Seguem-se, dai, influentes, a perícia social e a perícia psicológica, dentre outras, para estabelecer que a divisão do tempo de convívio seja, efetivamente, adequada para o desenvolvimento psicoemocional e afetivo dos filhos. Em outras palavras, cuida-se providencial e conveniente, em ações de guarda e de “visitação”, uma instrução ampla e irrestrita, inclusive sob a aplicação de perícias, com maiores subsídios às decisões judiciais, quando se trata de reger o tempo, inexorável e determinante na vida das pessoas.

É significativo sublinhar:

“para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe” (§ 3º do artigo 1.584 do Código Civil, cf. redação dada pela Lei nº13.058/2014).

Essa orientação técnica corresponde, às expressas, ao propósito de melhor dimensionar o tempo, com uma gestão de metas e objetivos à segurança do convívio familiar.

Em outro giro, impende também reportar o art. 1.583, § 5º, quando trata da guarda unilateral:

O dispositivo ao estabelecer ao pai ou à mãe que não detenha a guarda dos filhos, o poder-dever de supervisionar os interesses dos filhos, resulta tornar exigível uma dimensão de tempo de convivência ao genitor não guardião compatível a possibilitar o pleno exercício desses encargos de supervisão. Assim não seja esse tempo adequado, ter-se-á um mero programa de atribuições sem efetividade prática.

Demais disso, há um direito responsivo subjacente. Afirma o Superior Tribunal de Justiça:

A mera separação dos pais não isenta o cônjuge, com o qual os filhos não residem, da responsabilidade em relação aos atos praticados pelos menores, pois permanece o dever de criação e orientação, especialmente se o poder familiar é exercido conjuntamente. (STJ – 4ª Turma, REsp. nº 1.074.937-MA, Rel. Min. Luís Felipe Salomão).

Aliás, responsabilidade e resposta são vocábulos siameses, em etimologia e juridicidade, indicando as origens latinas “sponsor” (devedor) e “(re)spondere” (responder), extraídas do direito romano, que a responsabilidade obriga o responsável a responder pela obrigação, ou mais precisamente, pelos seus atos. Nesse liame, tem-se que a resposta será sempre o implemento desejado, como significação jurídica da responsabilidade.

Ora. Em ser assim, mais se exalta a interpretação compreensiva do reportado § 5º do art. 1.583 do CC (e dos julgados do STJ), quando dele se extrai que a educação dos filhos, notadamente em seus cuidados éticos e de preparação da vida, é um dever de ambos os pais, inerente ao poder familiar comum, mesmo que separado esteja o casal. Nessa extensão, repete-se a necessidade de uma gestão de tempo familiar compatível a responder pelas responsabilidades parentais.

Bem a propósito: “Neste sentido, há que se ter uma conscientização de que ambos os pais prosseguem, ainda que não estejam juntos, efetivamente, em um mesmo propósito, que decorre do poder familiar: o de promover o saudável e integral desenvolvimento de filho em comum” (TJ-PR, Agr. Instr. nº 1.394.041, Rel. Ivanise Maria Traz Martins). Uma obstaculização das visitas paternas e/ou uma de redução dos tempos de convivência entre pais e filhos não guarnecem, nos termos da lei e da experiencia comum de vida, os filhos para o próprio tempo de execução de um desenvolvimento de vida saudável.

Como pensou Beviláqua: “É também ao lado dos pais, na atmosfera da família, que devem estar os menores, porque é nesse meio que melhor se pode desenvolver o seu espírito, no sentido do bem, do justo e, ainda, do útil social e individual.”

Nessa linha, assevera Álvaro Villaça Azevedo que “o descaso entre pais e filhos é algo que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença”.

Quando o tempo livre decresce por sobrecargas da vida, é tempo de conceder à família o nosso melhor tempo, com técnicas de gestão para empreender maior efetividade às relações familiares.

Neste Dia das Crianças pensemos nelas, a partir de pais mais responsáveis, que contribuam com a melhor presença de um tempo paterno-maternal, para a realização de suas vidas.


[1] BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007;

[2] Web: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1756100&b=ACOR&p=false&l=10&i=4&operador=mesmo&tipo_visualizacao=RESUMO

[3] BARBOSA, Christian. A Tríade do Tempo. Rio de Janeiro: Sextante, 1ª ed., 2011, 256 p.;

[4] SCHMIDT, Francine Signaolin. A importância da perícia social no Direito de Família. Consultor Jurídico, 09.10.2020. Web: https://www.conjur.com.br/2020-out-09/francine-schmitt-pericia-social-direito-familia

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