Artigo – Migalhas – Regime jurídico emergencial e transitório: Impactos nas relações contratuais – Por Juliana Assolari

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A lei sancionada não estabelece regras permanentes ou revoga regras em vigência, mas sim suspende normas que são incompatíveis com o período excepcional de instabilidade social e econômica causada pela pandemia

Entrou em vigor no dia 12 de junho de 2020 a lei 14.010/20 que institui normas de caráter transitório e emergencial para regulação das relações jurídicas de direito privado em virtude da pandemia da covid-19, Lei Regime Jurídico Emergencial e Transitório – Lei do RJET. O objeto do projeto de lei foi atenuar as consequências socioeconômicas da pandemia para preservar contratos e orientar as decisões judiciais.

A lei sancionada não estabelece regras permanentes ou revoga regras em vigência, mas sim suspende normas que são incompatíveis com o período excepcional de instabilidade social e econômica causada pela pandemia. Se não houvesse a Lei do RJET, as relações privadas impactadas pela pandemia deveriam ser analisadas à luz dos preceitos do Código Civil, mas esta nova lei tem por objetivo pacificar os conflitos privados, condensando, em um diploma legal, os preceitos para dirimir a solução dos conflitos.


Regime Jurídico Emergencial e Transitório

Foi fixado nesta lei emergencial a data de 20 de março de 2020, data do decreto legislativo 6 que decretou o estado de calamidade pública, como o termo inicial para a aplicação da Lei do RJET.

No artigo 3º, os prazos prescricionais e decadenciais ficam impedidos ou suspensos a partir da data da entrada em vigor da Lei do RJET até 30 de outubro de 2020. Esta medida tem por objetivo resguardar os interesses dos credores em geral pois, a pandemia dificultou o acessar cartórios e repartições públicas, angariar documentos, contratar assessoria e impactou a rotina de trabalho dos Tribunais.

E no artigo 10º, na linha do artigo 3º, também suspende o prazo de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária nas diversas espécies de usucapião a partir da vigência da lei até 30 de outubro de 2020.

Importante registrar que o artigo 21 prevê que a lei emergencial entra em vigor na data de sua publicação. Logo, para situações de prescrição e decadência já ultimados até o início da vigência da lei, não há a possibilidade de retroatividade da lei.

Ainda na lei emergencial, há a permissão para a realização de assembleia geral por meios eletrônicos, mesmo que não haja a permissão no estatuto ou contrato social. E a manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, produzindo todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.

Em termos práticos, a ata poderá ser redigida unilateralmente pelo administrador atestando o que ocorreu na assembleia, sendo recomendável que a assembleia seja gravada, constando na ata que todos os participantes tiveram ciência que a assembleia seria gravada.

Contudo, dispositivos importantes para a área contratual foram vetados pela sanção presidencial. Os artigos que foram vetados:

A resilição, resolução e revisão dos contratos

Art. 6º As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.

Art. 7º Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário.

§ 1° As regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) e na lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.

§ 2° Para os fins desta Lei, as normas de proteção ao consumidor não se aplicam às relações contratuais subordinadas ao Código Civil, incluindo aquelas estabelecidas exclusivamente entre empresas ou empresários.

As razões do veto Presidencial para os artigos 6º e 7º foram que “a propositura legislativa, contraria o interesse público, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de mecanismos apropriados para modulação das obrigações contratuais em situação excepcionais, tais como os institutos da força maior e do caso fortuito e teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva”.

Entretanto, a redação dos artigos 6º e 7º proposta estava na linha da Lei da Liberdade Econômica de menor intervenção judicial nas relações contratuais privadas e privilegia o princípio de que os contratos celebrados devem ser cumpridos ao excluir da possibilidade de rescisão ou revisão o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário.

Neste contexto legal com o veto dos artigos acima, sob o argumento de que a pandemia da covid-19 é um fato imprevisível e que alterou a base do negócio, é possível a um dos contratantes seguir duas alternativas: (I) renegociar o valor e as condições do contrato (artigo 317 do Código Civil1) ou (II) requerer a rescisão do contrato, sem a incidência de multa contratual (artigos 478, 479 e 480 do Código Civil2).

E por que a pandemia pode ser considerada um fato imprevisível? Porque no momento da negociação do contrato as bases negociais foram livremente pactuadas entre as partes e, no decorrer do cumprimento do contrato, a pandemia, a decretação de calamidade pública pelo Governo Federal e pelo Governo Estadual e as restrições governamentais para o exercício das atividades empresariais impactaram os negócios das partes, levando à uma mudança drástica na situação econômico-financeira de uma das partes.

Logo, é possível a uma das partes requerer a revisão do contrato objetivando o reequilíbrio das condições comerciais devido à pandemia do Covid-19 para readequar os termos contratuais à nova realidade para se alcançar o reequilíbrio econômico das partes.

Fonte: Migalhas

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