O instituto da união estável se trata de um uma questão concernente à evolução da sociedade e das relações familiares em si, de modo que o direito não poderia se ausentar de se preocupar com a temática.
A união estável é a união fática de duas pessoas não impedidas de casar, podendo ser de um homem com uma mulher, homem com homem ou mulher com mulher; com o propósito de estabelecer comunhão plena de vida, com publicidade, mutualidade e direitos e deveres recíprocos.
Segundo Claudino de Araújo Júnior “no começo, as pessoas que tivessem a desventura de vir a se separar, seja legalmente ou não, eram obrigadas por normas escritas, e não escritas, a viver uma vida marginalizada, proscrita.
Entretanto, o passar do tempo, a multiplicação dos casos, a evolução da sociedade, foi dando coragem a estas pessoas, que aos poucos começaram novos relacionamentos, agora sem a chancela do Estado” (Prática no Direito de Família, 10 ed. rev., atual. e amp. Atlas, 2018).
A Constituição Federal de 1988, já ratificando a jurisprudência pátria, redimensionou o ideário relacionado a família ao adotar o termo “entidade familiar” (art. 226, § 3º, CF), dessa forma, compreendeu-se família não mais só como as uniões formadas pelo casamento, mas também as uniões extramatrimoniais e as famílias monoparentais.
Na prática, isso significa dizer que a partir da proteção especial que o Estado deu para essas entidades familiares a união informal foi equiparada ao casamento em relação aos direitos e obrigações.
O Código Civil de 2002, em seus artigos 1.723 e 1.727 disciplinou a união estável, reconhecendo a entidade familiar formada por um homem e mulher não impedidos de casar.
Apenas com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277-ADI e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132-ADPF é que se passou a reconhecer a união estável homoafetiva.
São os elementos caracterizadores da união estável a publicidade; a continuidade; que seja duradouro; e que o objetivo da união seja constituir família.
Quanto a publicidade, significa dizer que o estado de casado deve ser apresentado perante a sociedade, sem que se alcancem os relacionamentos de cunho estritamente pessoal, privados, ocultos.
Em relação a continuidade, esta transmite a ideia de estabilidade, evitando-se os relacionamentos esporádicos ou ocasionais.
Quanto a duração, o Código Civil não estabeleceu um prazo mínimo para que o relacionamento seja tido como união estável, em que os Tribunais têm fixado o prazo de dois anos se o casal tem um filho comum e de cinco anos se eles não tiverem um filho comum.
Todavia tal prazo ainda é discutível, primeiramente porque não é estabelecido por lei; segundo porque duradouro emite a ideia de firmeza, isto é, que a união, recente ou não, apresente sinais de estabilidade.
Quanto ao objetivo de constituição de família, este é importante pois deve o casal que vive sob união estável apresentar interesse social para isto, justificando-se como interesse do Estado.
Inclusive os Tribunais têm recepcionado a possibilidade de preenchimento dos demais caracteres mas não reconhecem a união estável por não haver objetivo de constituir família.
Inaplicabilidade da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015 de 1973)
A aplicação dos institutos em relação a união estável são análogas das disposições relativas ao casamento.
Anteriormente, a questão era tratada pelo art. 57, § 2º, da Lei 6.015 de 1973 (Lei de Registros Públicos), todavia, com a equiparação constitucional da união estável ao casamento, a temática passou a ser regulada pelo Código Civil.
Isso se justifica pois a Lei de Registros Públicos refletia a proteção e exclusividade que era dada ao casamento – que era indissolúvel – no início da década de 70 no século passado, tendo em vista que esse era o único elemento formador da família, legalmente aceito, fórmula da qual derivava as restrições impostas pelo texto da lei supramencionado, que dava a possibilidade da adoção do patronímico, por companheira, quando não houvesse a possibilidade de casamento, por força de um dos impedimentos descritos em lei.
No entanto, com a consolidação da união estável no sistema jurídico nacional, através do texto constitucional, foi dada uma nova abrangência ao conceito de família e, por seu caráter prospectivo, vinculou a produção legislativa e jurisprudencial desde então, estabelecendo novos parâmetros legais que se readaptaram a nova realidade jurídica dada ao conceito de família.
O fato é que a união estável ainda carece de produção legislativa em relação a possibilidade jurídica da adoção do patronímico do companheiro, não se encontrando na realidade disposta no artigo 57, § 2º, da Lei 6.015 de 1973 pois esta trata na verdade da adoção do patronímico em relações de concubinato em uma época que não havia a possibilidade do divórcio.
Nesse sentido, cabe salientar que o legislador dispõe sobre a possibilidade, dentro do casamento, de acréscimo do sobrenome de um dos cônjuges pelo outro (artigo 1.565, § 1º, do Código Civil).
Dessa forma, há o reconhecimento que a celebração do casamento requisita várias formalidades que não estão presentes na união estável, visto que a sua configuração depende apenas da existência de convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família.
Posicionamento dos Tribunais
Segundo o Entendimento do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.206656/GO, ante a ausência de lei regulamentadora específica estabelecendo os pressupostos legais para a utilização do patronímico dentro das relações de união estável, “a única ressalva que se faz, e isso em atenção às peculiaridades da união estável, é que seja feita prova documental da relação, por instrumento público, e nela haja anuência do companheiro que terá o nome adotado, cautelas dispensáveis dentro do casamento, pelas formalidades legais que envolvem esse tipo de relacionamento, mas que não inviabilizam a aplicação analógica das disposições constantes no Código Civil, à espécie.”
Toda essa cautela é justificável tendo em vista a importância do registro público para as relações sociais.
Ressalte-se que o que motiva a existência de registros públicos é justamente a necessidade de conferir aos terceiros a segurança jurídica quanto às relações neles asseguradas.
No julgamento da Apelação Cível (nº 0010958-02.2012.8.26.0624) a Décima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu em caso de pedido pela autora de inclusão do sobrenome do companheiro de cujus, com quem vivia sob a exige da união estável, que mesmo com o falecimento é possível a retificação do registro civil.
A peculiaridade do caso em questão é que foi atendida a pretensão de inclusão do sobrenome sem ser necessária a utilização de via própria para obter o reconhecimento da união estável, sendo reconhecida a união estável, incidentalmente, nos autos do inventário, a autorizar a aplicação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil.
Vale ressaltar que o reconhecimento incidental só foi possível pois ela foi adjudicada como herdeira única de todos os bens deixados pelo seu companheiro.
Dessa forma, compreendeu-se que “o inventário permite, com segurança, a conclusão de que a autora e o falecido conviveram em união estável, duradoura e “more uxório” por mais de dez anos”, tornando-se “indiscutível, portanto a existência de união estável entre a requerente e o falecido. Essa conclusão pode ser tirada nestes autos, visto que há prova robusta nesse sentido.”
Fonte: Jornal Contábil