Nota técnica aponta risco de desaparecimento e sugere que corpos não sejam cremados, mas sim enterrados, a fim de viabilizar confirmação de identidade
O PGR Augusto Aras encaminhou ao ministro Dias Toffoli, presidente do STF e do CNJ, nota técnica por meio da qual critica “procedimentos excepcionais” de sepultamento e cremação adotados durante pandemia sobre corpos não identificados. O documento aponta a possibilidade de ampliação do desaparecimento de corpos em razão do novo coronavírus.
Elaborado por MPF, DPU, DP/RJ e mais sete instituições, o texto sugere, entre outras medidas, que os restos mortais de pessoas desconhecidas não sejam cremados, e sim enterrados, de forma a viabilizar eventuais exumações para confirmação posterior da identidade das vítimas.
Medidas urgentes
Uma portaria elaborada em conjunto pelo Ministério da Saúde e pelo CNJ, em vigor desde 30 de março, flexibilizou regras para declarações de óbito, sepultamentos e cremações de corpos, diante da escalada da crise do novo coronavírus.
A portaria permite que sepultamentos e cremações sejam feitos somente com as declarações de óbito emitidas pelas unidades de saúde, sem a certidão lavrada em cartório, caso não existam familiares ou conhecidos do paciente morto, ou mesmo por “exigência de saúde pública”.
Nota técnica
Segundo nota técnica elaborada pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional de Defesa da Cidadania, a portaria tem ilegalidades e pode provocar uma legião de “desaparecidos da pandemia”. O grupo existe há um ano e está vinculado a um dos colegiados que atuam na PGR, a 7ª câmara, que cuida do controle da atividade policial e do sistema prisional. Na última quarta-feira, o subprocurador-geral da República Domingos Sávio, coordenador da 7ª câmara, encaminhou a nota a Aras. O procurador-Geral, então, enviou o documento ao presidente do STF na última sexta, 24.
“Ao não estabelecer nenhum mecanismo efetivo de controle acerca da informação sobre o obituado, e deixando a possibilidade de cremação nos mesmos parâmetros que o sepultamento, a portaria conjunta fere princípios basilares do campo do direito de personalidade, que marca a nossa sistemática jurídica”, cita o documento. “Há ausência de regras para a adoção da cremação, que surge como uma possibilidade de ação discricionária do agente público.”
O grupo afirma que a portaria conjunta leva a “enormes inseguranças jurídicas e fomenta um cenário de ampliação para casos de desaparecimento, diante do não rigor do controle com os dados dos obituados”.
“A possibilidade de um rol crescente de desaparecidos sob a alcunha de desconhecido, não reclamado, residirá nos estratos sociais mais empobrecidos. Serão negros, pobres, moradores de rua e, por óbvio, os presos nas instituições carcerárias, que já se encontram, em decorrência da pandemia, isolados, impedidos de verem seus familiares.”
O documento critica ainda o método encontrado pelo Ministério da Saúde para identificar vítimas da covid-19 não identificadas por familiares e conhecidos: um “esparadrapo colado” ao corpo, envolto em sacos diversos. “É um cenário em que não se estabelece uma rigidez do local e forma como serão realizados e resguardados os dados sobre a vítima.”
O documento cita o caso do Rio, onde a Secretaria de Administração Penitenciária autorizou que médicos da unidade declarem o óbito de presos, sem exame cadavérico e sem precisar passar por uma análise no IML. “O que está sendo gestado é o colapso do sistema de controle dos óbitos ocorridos dentro de espaços de privação de liberdade”, afirmam MPF e demais instituições que assinam a nota técnica.
Recomendações
O documento faz, ao todo, 12 recomendações. Entre elas estão o impedimento de cremações de pessoas não identificadas; a obrigação de que restos mortais sejam enterrados com etiqueta de identificação à prova d’água; a determinação para que os serviços funerários registrem que os sepultamentos ocorreram no contexto da pandemia; identificação clara e precisa das sepulturas; coletas de impressões digitais; impedimento de destruição de despojos de pessoas não identificadas; e que corpos de presos sejam avaliados por IML e Serviços de Verificação de Óbito.
Fonte: Migalhas