Levantamento feito com base nas declarações de óbito registradas nos cartórios mostra que 722 pessoas tiveram a doença covid-19 apontada como causa ou suspeita da morte no Brasil, entre os dias 16 de março e 5 de abril.
O número é 48% maior que a contabilidade oficial do Ministério da Saúde, que naquela data (5 de abril) apontava 486 óbitos confirmados — ontem, o Ministério da Saúde atualizou para 800 óbitos. Os documentos ainda revelam uma grande diferença na contabilidade dos estados no caso de vítimas do novo coronavírus.
Os dados constam em um portal da transparência desenvolvido pela Arpen Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), a pedido do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), com números atualizados em tempo real pelos cartórios de registro civil
Em 10 unidades da federação, há mais mortes em registros do que constam nos balanços oficiais, e em 17 acontece o inverso. Isso aponta para a falta de uniformidade dos critérios adotados pelos estados.
A maior diferença percentual está no estado de Goiás, onde os registros nos cartórios mostravam 13 mortes ou suspeitas por covid-19, contra 3 no balanço oficial. Em outros estados, como Pernambuco, há o inverso: 12 mortes nos registros e 21 no relatório oficial.
Em 31 de março, uma portaria do Ministério da Saúde e do CNJ autorizou enterros e cremação sem o atestado de óbito, por conta da epidemia do covid-19. O documento é feito pelos cartórios com base justamente na declaração de óbito.
Com essa determinação, quando houver morte por doença respiratória suspeita de ter sido causada pelo novo coronavírus e não confirmada, deve ser descrito no registro como provável vítima infectada pela doença covid-19.
Estados variam métodos
Apesar dos números diferentes, médicos e pesquisadores ouvidos pelo UOL alegam questões que precisam ser levadas em conta, e que não há certo ou errado nesse momento. A principal é que, em alguns casos, o exame confirmando a doença tem resultado divulgado somente dias após a morte, o que atrasa a contabilidade de óbitos nos boletins oficiais.
Em Pernambuco, por exemplo, o boletim da última segunda-feira (6) revelou que houve uma morte ocorrida no dia 27 de março.
Outra hipótese levantada é a forma diversificada pela qual os estados vêm atuando para contabilizar os dados.
O secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, explica que o estado publicou nota técnica, junto com o CRM (Conselho Regional de Medicina), com uma orientação para que o médico, na falta ainda de um diagnóstico preciso, coloque SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em investigação ou a esclarecer — diferentemente da orientação do Ministério da Saúde e do CNJ.
“Orientamos para não colocar o agente etiológico [causador da doença] naquele momento. Essa morte pode ter sido causada por diversos agentes, que serão confirmados por amostra laboratorial”, observa Longo.
De acordo com o secretário de Saúde, apesar de não constar no registro, Pernambuco tem buscado investigar todas as mortes causadas por SRAG. “Vários desses diagnósticos são esclarecidos após as mortes. Nós temos feito uma busca ativa muito forte e procurado dar o diagnóstico no menor tempo possível”, acrescenta.
Metodologia diferente
Segundo Luiz Carlos Vendramin Júnior, vice-presidente da Associação de Registradores de Pessoas Naturais, a divergência dos dados fornecidos nos registros e por autoridades de saúde tem ligação com a metodologia adotada.
“O Portal da Transparência leva em consideração o documento chamado ‘declaração de óbito’, onde ele atesta nome, data de falecimento, horário e, principalmente, as causas da sua morte, e entrega para a família”, diz.
“O que a gente busca é somente dar mais transparência aos atos de registros que são feitos nos cartórios de registro civil. O Portal da Transparência só extrai do campo ‘causa da morte’ a expressão ‘covid’, tanto para caso suspeito, como para confirmado. E nós fazemos essa totalização. As secretarias estaduais, municipais e o Ministério da Saúde levam em consideração os casos confirmados”, completa.
Vendramin Júnior afirma que a ideia da divulgação dos dados é justamente ajudar as autoridades a encontrarem informações para corrigir eventuais falhas no diagnóstico. “Não temos nenhuma pretensão científica na análise dessas informações, que são somente quantitativas dos registros de óbito”, afirma.
O líder dos cartórios ainda explica que, após a lavratura do documento, é difícil haver uma correção. “Uma vez feita a emissão do registro do óbito com uma causa, ela pode ser alterada com um laudo médico. Existe até um procedimento administrativo pelo qual, diretamente no cartório, um familiar pode pedir essa alteração. Mas na prática é muito difícil isso acontecer. Uma vez emitida a certidão, voltar ao cartório para fazer esse ajuste é muito raro”, finaliza.
Fonte: UOL