Número é o mais recente compilado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, da terça-feira, e aponta para o déficit de testes. Debate sobre dados de mortes não é exclusividade do Brasil
Os óbitos suspeitos de coronavírus sem a confirmação precisa da causa se tornaram uma triste rotina nos hospitais do Brasil, onde faltam testes de detecção da doença para os vivos e também para os mortos. Famílias estão sendo obrigadas a enterrar seus entes queridos sem velório e em caixões lacrados sem saber se eles de fato foram vítimas da Covid-19. Uma outra consequência do déficit no número de kits para exames é a defasagem nas estatísticas oficiais do Ministério da Saúde e, consequentemente, em sua capacidade de dimensionar o tamanho do problema e enfrentá-lo. Informações do portal de transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), que representa os cartórios de registro civil no país, responsáveis pelo recebimento dos atestados de óbito, pintam um quadro mais sombrio, ou ao menos antecipado, do que os dados oficiais do Governo estão mostrando no momento.
Entre casos de mortes confirmadas e suspeitas de coronavírus, os cartórios registraram 748 óbitos do início da pandemia até esta terça-feira. No mesmo dia, a pasta comandada pelo ministro Luiz Henrique Mandetta computou 667 mortes confirmadas, 81 a menos do que a Arpen.
De acordo com a associação, o objetivo de tornar públicas as informações sobre a doença é “proporcionar uma melhor compreensão do impacto da pandemia do novo coronavírus sobre a sociedade brasileira, contribuindo para a apuração de subnotificações de casos fatais”. Como a Arpen divulga a informação que consta nos atestados de óbito —e muitas vezes estes documentos estão sendo preenchidos com causa “suspeita de coronavírus”, sem maiores detalhes ou precisão— estes dados precisam ser analisados com cautela.
Não é possível saber se a diferença entre os números dos cartórios e do Ministério da Saúde corresponde aos casos de mortos por coronavírus não testados nos hospitais, uma vez que ainda não existe um balanço nacional de quantos óbitos com suspeita de Covid-19 não são testados. De acordo com a TV Globo, no domingo, ao menos 199 mortes em todo o país ainda aguardam o resultado dos testes, de acordo com reportagem do programa Fantástico. São Paulo, Paraná e Mato Grosso não forneceram as informações, o que leva a crer que este número é subestimado.
Se antes era possível determinar a causa da morte com o auxílio de uma autópsia, agora a situação é ainda mais complicada. Existe uma mudança nas normas de vários Estados que, acompanhando uma determinação da Organização Mundial de Saúde, proíbem autópsias nos casos suspeito de Covid-19 para evitar a contaminação do legista. Então os mortos que não são testados a tempo acabam enterrados sem que os familiares possam saber a causa do falecimento e sem que o Governo e a população saibam ao certo o tamanho da pandemia no Brasil. A falha na coleta da amostra, com o paciente ainda vivo, pode também acabar impedindo o diagnóstico e atualização das estatísticas. Por isso, oficialmente, o Ministério da Saúde reconhece que mortes podem acabar nunca entrando nos dados oficiais da pandemia no país.
Na Espanha, um dos pontos críticos da pandemia na Europa, também há sinais de defasagem entre a cifra de mortos confirmadas pelo Ministério da Saúde local e números de enterros, por exemplo, em Madri. Lá o Governo também só contabiliza os óbitos com teses biológicos (do tipo PCR), mas pessoas que morreram em suas casas ou em casas de repouso, um dos focos da pandemia no país, acabaram não sendo testadas. Poucos países no mundo, como Coreia do Sul e Alemanha, conseguiram fazer testes em massa na população em meio ao combate da Covid-19.
Fonte: El País