A pandemia instalada pelo coronavírus surpreendeu a todos em nosso país, sendo necessárias medidas extremas para tentativa de contenção do covid-19, medidas essas que impactaram as empresas do Brasil. Diante deste cenário surge o seguinte questionamento: como tentar minimizar esse impacto sob a ótica trabalhista, atuando de forma a tentar não criar um passivo futuro?
O cenário atual é de incertezas, no entanto, baseando-nos na experiência de atuação contenciosa e consultiva, visando sempre o melhor e seguro resultado para as empresas, podemos citar alguns caminhos possíveis.
Concessão de férias coletivas: O instituto das férias coletivas está regulamentado nos artigos 139 e seguintes da consolidação das leis do trabalho, possibilitando que o empregador conceda férias a um determinado grupo de trabalhadores ou a todos os empregados da empresa. Há hoje dois diplomas legais regulamentando a questão: a CLT e a Medida Provisória 927/20.
Como previsto na CLT, as férias coletivas devem ser comunicadas ao colaborador, por segurança, no prazo de 30 dias. Da mesma forma, existe a necessidade de comunicação ao Ministério do Trabalho e Emprego (atual Ministério da Economia) com antecedência mínima de 15 dias, o mesmo comunicado deve ser feito à entidade sindical, em igual prazo.
As férias coletivas poderiam ser concedidas em dois períodos, não podendo nenhum deles ser inferior a 10 dias.
Sabe-se que, no cenário atual, a comunicação ao empregado e aos órgãos e entidades necessários, no prazo citado acima, torna inviável a adoção desta medida. No entanto, sua adoção, com a comunicação em prazo inferior poderá ser fundamentada no momento atípico vivido, caracterizando o instituto da força maior, previsto no artigo 501 da CLT.
Cabe destacar que a Medida Provisória 927/20, publicada em 22 de março de 2020, 11 e 12 flexibilizaram os seguintes pontos das férias coletivas:
Prazo para comunicação ao empregado: a comunicação, com a Medida Provisória, deve ocorrer com, no mínimo, 48 horas de antecedências de sua concessão.
Necessidade de comunicação ao Ministério da Economia e Sindicatos: a comunicação está dispensada.
Concessão de Licença Remunerada: a licença remunerada é uma hipótese de interrupção do contrato de trabalho, não sendo amplamente regulamentado pela CLT. A consolidação apenas traz alguns exemplos do instituto e deixa claro que, se o empregado gozar de licença remunerada por período superior a 30 dias, perderá o direito às férias (artigo 133, II CLT). Neste particular é preciso destacar que a parte da jurisprudência entende que o empregador deve realizar o pagamento de 1/3 das férias.
Adoção da modalidade de tele trabalho (home office): o teletrabalho, tal qual as férias coletivas, hoje encontra sua regulamentação em dois diplomas: CLT e Medida Provisória 927/20.
O teletrabalho foi disciplinado expressamente pela lei 13.467/17, incluindo os artigos 75-A a 75-E no diploma celetista, passando a exigir algumas formalidades para adoção do regime, que devem ser observadas pelo empregador. Dentre essas formalidades existe a necessidade realização de aditivo contratual prevendo expressamente as atividades que serão desenvolvidas pelo empregado, a prestação de serviços preponderantemente externa, além da responsabilização pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado.
Adotado o teletrabalho, o empregado fica dispensado da anotação de cartão de ponto, não fazendo jus a horas extras (artigo 62, III CLT), bem como as utilidades fornecidas para desenvolvimento das atividades home office não possuem natureza salarial.
O retorno ao trabalho presencial deve observar o prazo mínimo de 15 dias, dependendo de mútuo acordo.
Destaca-se que a Medida Provisórias 927/20, trouxe inovações legislativas relativas ao tele trabalho aplicáveis especificamente ao período em que permanecer a declarada calamidade pública, merecendo destaque os seguintes pontos:
Implementação do regime e retorno à condição de trabalho presencial: Deixa de depender de mútuo acordo, podendo ser instituído por determinação do empregador, devendo a comunicação ocorrer com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou meio eletrônico. O retorno ao trabalho presencial também independe de anuência do empregado, devendo ser comunicada em 48 horas, por escrito ou meio eletrônico.
Responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho: Passa a ser possível sua regulamentação até 30 dias após a adoção do regime de teletrabalho, por contrato escrito.
A princípio, a implementação de teletrabalho por imposição do empregador implica na ausência de controle de jornada;
Exceção à previsão de controle de jornada: caso o empregado não possua os meios necessários para realização do tele trabalho e o empregador não possa fornecer estes equipamentos no regime de comodato, o período normal da jornada de trabalho será computado como tempo à disposição do empregador.
Abrangência da modalidade de tele trabalho: passou a ser possível sua aplicação aos aprendizes e estagiários.
Redução proporcional da jornada de trabalho e remuneração: a redução proporcional da remuneração e jornada de trabalho está prevista, inicialmente, no artigo 7º, inciso VI da Constituição da República. No âmbito infraconstitucional o tema é regulado expressamente pela Lei 4923/65 (artigos 2º e seguintes), bem como pelo artigo 611-A, inciso I e parágrafo 3º da CLT A adoção desta opção deve observar os seguintes pontos:
Regramentos estabelecidos pela lei 4.923/65:
A redução deve ser realizada mediante negociação com a entidade sindical.
Prazo não superior a 3 meses.
Redução não superior a 25% do salário contratual
Impossibilidade de contratação de novos funcionários, sem a comprovação de tentativa de recontratação daqueles empregados que tenham sido dispensados pelo motivo justificador da redução salarial, pelo prazo de 6 meses a contar da cessão do regime.
Impossibilidade de realizar horas extras.
Regulamentação prevista no artigo 611-A da CLT:
Possibilidade de alteração da jornada de trabalho e redução salarial, sem estabelecer um limite mínimo, considerando que o negociado prevalece sobre o legislado, entendemos possível que seja negociado um percentual de redução superior a 25%, desde que seja razoável e proporcional, distribuindo de forma equânime a necessidade de adequação de caixa empresarial e o menor impacto possível aos trabalhadores.
Previsão de estabilidade dos empregados, em caso de negociação de redução de jornada e redução salarial, até o fim da vigência do instrumento coletivo.
Atenção com relação à negociação de redução de jornada proporcional à redução de remuneração sem instrumento coletivo! Em qualquer cenário, o complexo normativo vigente prevê a realização por Negociação Coletiva – as leis não podem ser interpretadas isoladamente.
Apesar do artigo 503 da CLT estabelecer a possibilidade da redução de 25% da remuneração do trabalhador, em caso de força maior, por ato unilateral do empregador, devemos lembrar que a CLT é anterior à Constituição da República de 1988, razão pela qual a leitura desse dispositivo deve passar por uma interpretação conforme a constituição, que passou a exigir a negociação coletiva para a redução de jornada, sem restrições. Ainda neste ponto, a exigência de instrumento coletivo para instituição desta solução é reforçada quando a lei 4.923/65 ao disciplinar, se não os mesmos fatos, situações extremamente semelhantes, também exige a negociação coletiva. Dessa forma, a redução unilateral ou por acordo individual, ao nosso ver, enseja risco de passivo futuro.
Regime de banco de horas: novamente, hoje há dois diplomas legais que regulamentam a questão: a CLT e a Medida Provisória 927/2020. O banco de horas é regulamentado pelo artigo 59 da CLT e seus parágrafos sendo que, sua instituição pode ser por acordo individual, se a compensação ocorrer no período de até 6 meses, desde que não haja vedação para sua adoção por acordo individual em Acordo ou Convenção Coletivo e obrigatoriamente por instrumento coletivo caso a compensação ocorra no prazo máximo de um ano Nesse caso, o empregador poderá lançar como negativas as horas que o empregado não trabalhar, sem prejuízo de seu salário, podendo exigir o trabalho em período posterior, limitada a jornada a 10 horas diárias.
Sobre o tema a MP 927/2020 trouxe alteração em seu artigo 14, possibilitando que o banco de horas seja negociado pelo prazo de 18 meses e não de apenas 1 ano, contados a partir do término do estado de calamidade pública.
Aproveitamento e antecipação dos feriados: Regulamentado pela MPT 927/2020 os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, no prazo de 48 horas.
Neste particular é importante observar que o aproveitamento independente de concordância do empregado abarca apenas os feriados não religiosos. Para os feriados religiosos é necessária a anuência do empregado, mediante acordo individual escrito.
Antecipação das férias individuais – Regulado pela MP 927/2020 autoriza que sejam concedidas férias individuais ao empregado, ainda que não tenha o período aquisitivo integral, mediante comunicação prévia no prazo de 48 horas, devendo ser dada preferência aos empregados que se enquadram no grupo de risco do COVID-19.
O período de férias deve observar o mínimo de 5 dias. As férias futuras poderão ser negociadas por acordo individual escrito. Destaca-se, ainda, que a conversão do período de férias ao abono pecuniário dependerá de anuência do empregador. O pagamento do terço constitucional de férias pode ser pago até o dia de vencimento da gratificação natalina. O pagamento da remuneração das férias poderá ocorrer até o 5º dia útil do mês subsequente ao da concessão das férias.
Merece destaque, em se tratando de férias concedidas aos empregados do setor da saúde ou daqueles que desempenhe funções essenciais o empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de quarenta e oito horas.
Convém destacar, ainda, que nada impede ao empregador em conceder férias individuais a várias pessoas (férias individuais concedidas de modo coletivo), possibilitando, dentro do que prevê a lei estritamente, a adoção dos benefícios trazidos pela MP para as férias concedidas.
Oferecimento de cursos de capacitação – Embora tenha sido revogado da MP 927/2020, a disposição existe na CLT desde 2001, e continua vigente. Entretanto, depende de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho. Regulada pelo artigo 476-A da CLT, trata de modalidade de suspensão do contrato de trabalho pelo período de 2 a 5 meses devendo, para ser adotado, cumprir os seguintes requisitos:
Oferecimento, pelo empregador, de curso de capacitação pelo período da suspensão contratual.
Prévia autorização via negociação coletiva.
Concordância expressa do empregado.
Comunicação expressa ao sindicato, com antecedência mínima de 15 dias da suspensão do contrato de trabalho.
Fonte: Migalhas