Comitês de erradicação do sub-registro civil destacam parcerias com as Arpens estaduais em evento em Brasília

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Comitês Gestores estaduais e municipais de erradicação do sub-registro civil de nascimento e ampliação do acesso à documentação básica destacaram nas suas iniciativas as parcerias e os trabalhos fomentados juntamente com as Associações dos Registradores de Pessoas Naturais dos seus respectivos estados durante evento realizado nesta quarta-feira (20.03) em Brasília para erradicação do sub-registro, no segundo dia do XI Encontro Nacional de Promoção do Registro Civil de Nascimento e do Acesso à Documentação Civil, promovido pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos.

Ao todo, sete estados – Amazonas, Minas Gerais, Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Ceará – apresentaram pôsteres e ações dos seus comitês que vão desde simples emissões documentais até iniciativas que envolvem comunidades em bairros mais distantes, como o povo quilombola. Todas as iniciativas têm apoio das Arpens estaduais.

No caso de Manaus, no Amazonas, há 67 comunidades na zona rural que ficam no entorno da capital, além de comunidades situadas à beira do rio Amazonas e à beira do Rio Negro, incluindo nelas uma comunidade indígena do Rio Cuieiras. Graça Prola, subsecretária de políticas afirmativas para mulheres e direitos humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (SEMASC), e coordenadora do comitê municipal pela erradicação do sub-registro civil de nascimento e implementação do acesso à documentação básica no município de Manaus-AM, explica que no dia 13 de abril, o comitê municipal estará presente na Colônia Antônio Aleixo, um bairro distante do centro da cidade, estigmatizado porque parte da população é acometida de hanseníase.

“A Arpen/AM vai participar com cartórios da cidade e a defensoria pública com os defensores para resolver alguma questão que seja de registro tardio ou outras ocorrências. Mas a Arpen/AM é parceira não só do comitê participante, mas da prefeitura municipal de Manaus. A Arpen/AM é parceira desde 2021 quando o comitê foi reativado”, esclareceu a subsecretária.

No Estado da Bahia, as ações do comitê foram apresentadas por Maria Fernanda Cruz, coordenadora de promoção e cidadania de direitos humanos da secretaria de Justiça e direitos humanos do estado da Bahia, e coordenadora do comitê gestor do estado da Bahia de registro civil e documentação básica. Segundo ela, a parceria com a Arpen/BA tem sido fundamental para erradicação do sub-registro, principalmente pelas ações que são feitas de modo totalmente presencial.

“Ele [cidadão] sai dali com vários documentos, não só os documentos, mas às vezes a vacinação regularizada, os encaminhamentos da área de saúde, um encaminhamento de um outro programa social como cadastro único, bolsa família. Tem sido um ponto de partida. Sem a participação da Arpen/BA a ação não seria completa. Sempre priorizamos a parceria com os cartórios, mas essa ação presencial começou em 2023”, contou a coordenadora.

Em Minas Gerais, a parceria com os cartórios se dá através do Recivil, o Sindicato dos Oficiais de Registro Civil do Estado. “O Recivil dá todo o suporte no sistema das unidades interligadas, e para além do sistema também o sistema informatizado de monitoramento, lançando os dados em tempo real no registro das unidades interligadas. É um grande parceiro, nos ajuda muito nessa caminhada das unidades interligadas”, afirmou a técnica da secretaria de estado de desenvolvimento social de Minas Gerais, subsecretária de direitos humanos, Ana Paula Camargo.

No Mato Grosso do Sul, Sabrina Frazeto da Silva, coordenadora do Comitê Gestor Estadual para Erradicação do sub-registro civil e acesso à documentação básica, explicou que o próprio presidente da Arpen/MS, Marcus Roza, faz a articulação entre a população que precisa de atendimento com os órgãos emissores.

“Ele nos ajuda nesse elo, principalmente na porta de entrada que é o registro. Ele é o nosso elo junto aos cartórios quando nós precisamos fazer esses mutirões para emissão de primeira ou de segunda vida. Ele que faz esse contato com os cartórios para que nós possamos efetivar esse acesso à população”, disse Silva.

No Maranhão, a representante da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e do Comitê Estadual de Erradicação do sub-registro e documentação básica, Maria da Graça Lindoso Moreira, ressaltou que o comitê está sempre requisitando a Arpen/MA “que nos ajuda a solucionar os problemas de registro tardio”. Ela complementa: “hoje a nossa presidente que é a Gabriella Caminha, é uma pessoa que nos acolhe, é muito receptiva e está sempre pronta para nos atender”.

No Rio de Janeiro, a coordenadora de documentação básica pela secretaria de desenvolvimento social e direitos humanos do Rio de Janeiro, Susam Azevedo, pontuou que é necessário, através de consultoria, levar para os municípios a política de construção dos comitês municipais.

“A parceria com a Arpen/RJ é indispensável, não só por eu ser uma ex-escrevente de cartório, mas porque a gente sabe que sem o cartório de registro civil das pessoas naturais nada se faz, tendo em vista que depois da declaração de nascido vivo é o próximo passo para a emissão de uma certidão de nascimento”, opinou Azevedo.

Embora o estado do Paraíba não tenha apresentado um pôster do seu comitê, a coordenadora do comitê estadual para erradicação do sub-registro e ampliação ao acesso à documentação básica da Paraíba, Rosângela Costa Assunção, disse que com a Arpen/PB, foram feitas ações com os quilombolas na Paraíba e os cartórios do estado.

“Nós conseguimos em duas comunidades 30 pessoas beneficiadas pela segunda via da certidão, um total de 232 pessoas que ficaram com a sua atualização. Encontramos pessoas com o RG de 1980”, concluiu a coordenadora.

 Unidades interligadas  

Com pelo menos 1.042 maternidades interligadas aos cartórios de Registro Civil brasileiros, distribuídas em 667 munícipios, as unidades extrajudiciais podem aumentar essa capilaridade de atendimento para auxiliar na luta da erradicação do sub-registro no Brasil. Essa é a opinião do consultor do Ministério da Saúde, da coordenação geral de informações e análise epidemiológica, Tadeu Oliveira.

“Nós temos que ampliar essa capilaridade desses cartórios instalando mais unidades interligadas nas maternidades. Os cartórios já fazem a sua parte. O que precisamos fazer é que essas mães cheguem até os cartórios”, argumentou Oliveira.

A emissão da primeira certidão de nascimento do bebê ainda na maternidade por meio de unidades interligadas aos cartórios é prevista pelo Provimento CNJ n. 149/2023, que institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça. Antes, a medida era prevista pelo Provimento CNJ n. 13/2010. Desde a publicação do Provimento, foram realizados mais de 1,2 milhão de registros de nascimentos diretamente em maternidades, de acordo com a Central de Informações do Registro Civil (CRC).

O consultor Tadeu Oliveira também explicou que as mães de 15 a 19 anos, já representam 30% – cerca de 17 mil – dos 54 mil bebês nascidos sem o registro de nascimento. “A maior parte dessas crianças moram em regiões do Norte e Nordeste com difícil acesso ao cartório da região. Na maioria dos casos, são mães solo, fora de uniões, que precisam ser orientadas quanto ao seu direito para que seus bebês sejam registrados. O nosso índice de sub-registro hoje está por volta de 2,1% e 4,2%, quase o dobro, entre as mães de 15 e 19 anos”, salientou o palestrante.

“Você consegue encher um Maracanã, ou o estádio Nilton Santos. Em relação as mães, há uma questão social. As meninas são muito estereotipadas. Negras, pobres, moram no Nordeste. Essa sociedade quer que a menina siga um ritmo de terminar os estudos, ingressar no mercado de trabalho, ter uma família e ter os seus filhos, mas pouco contribui para solucionar este problema”, adverte Oliveira.

Ele ainda explica que atualmente a gravidez na adolescência está em torno dos 13 e 14% das mulheres grávidas no país. No entanto, o Brasil é um dos países que lideram a média mundial, que está em torno dos 10%. “Estamos piores que países com os mais baixos índices de desenvolvimento econômico do mundo”, pondera Oliveira.

O palestrante Eduardo Rosseti, consultor do CGIAE, órgão de coordenação geral de indicadores do Ministério da Saúde e consultor do Fundo de População das Nações Unidas e do IBGE na área de demografia e projeção populacional, explicou que o fluxo do registro da pessoa, do nascido, passa tanto pelo Ministério da Saúde, com hospitais e unidades de saúde, quanto pelos cartórios de Registro Civil.

“Estando os dois no mesmo local você facilita o processo burocrático. São sistemas independentes que quando você os coloca interligados os torna independentes um do outro. Isso facilitaria o registro. Um nascido no hospital já seria registrado automaticamente no Registro Civil e isso reduziria o sub-registro que é o grande objetivo de toda essa discussão”, ponderou o consultor.

Em painel que tratou somente sobre as unidades interligadas, a juíza auxiliar da Corregedoria do Maranhão, Jaqueline Caracas, afirmou que o Estado recebe inúmeras solicitações de diversos órgãos para atuar junto aos cartórios sobre a questão destas unidades.

“Me perguntava se as unidades interligadas estão servindo ao papel a que se destinam. 98% dos bebês nascem nas maternidades. É o melhor lugar para conter o sub-registro. Um dos investimentos prioritários em termos de orçamento tem que ser nas unidades interligadas”, afirmou em sua palestra.

Para a promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Roberta Ribeiro, a ausência de documentação, causada às vezes por um Estado burocrático, impede a determinadas pessoas acessarem os seus direitos.

“Enquanto nós formatamos um discurso, tiramos a nossa responsabilidade e colocamos a responsabilidade nos usuários dos serviços”, reforçou a promotora.

Estatísticas

Segundo a técnica da Equipe das Estatísticas do Registro Civil do IBGE, Fátima de Carvalho Madeira Reis, a Lei 6.015 de 1973, conhecida como Lei de Registros Públicos, atribuiu ao IBGE a competência de coletar os dados referentes ao Registro Civil junto aos cartórios e divulgá-los para toda a sociedade. Ela explica que o envio das informações pode ser feito por questionário preenchido pelas serventias ou através de meios eletrônicos.

“Mais de 93% dos cartórios enviam as informações por arquivos eletrônicos. O IBGE fornece sistema de instalação para os cartórios que não possuem um sistema avançado, sendo feito o preenchimento automaticamente dos dados relacionados ao acervo da serventia”, comentou a técnica do IBGE.

Reis ainda explica que são analisadas algumas variáveis nos dados fornecidos pelos cartórios como data do registro, data e local do nascimento da criança, tipo de gravidez, sexo da criança registrada, naturalidade dos genitores, local de residência da mãe, entre outras. “A partir dessas variáveis investigadas conseguimos calcular as estimativas relacionadas ao nascimento. Com isso, conseguimos saber o percentual do sub-registro”, acrescentou a técnica do IBGE.

A técnica informa que sub-registro é a estimativa de nascimento que ocorreu em determinado ano, mas não foram registrados naquele ano nem no trimestre do ano seguinte. De acordo com ela, a estimativa do sub-registro hoje no Brasil gira em torno dos 2 milhões, 690 mil pessoas. Além disso, 590 mil crianças até os 10 anos não têm registro de nascimento, de acordo com o censo do IBGE de 2021/2022.

Quem também falou sobre as estatísticas do IBGE ligadas ao Registro Civil foi o representante José Eduardo de Oliveira Trindade, que explicou que no Brasil existem dois sistemas oficiais que fazem a captação dos nascidos vivos.

“A estatística do Registro Civil que o IBGE possui, tem como responsável os dados proveniente dos cartórios, além de dois sistemas do Ministério da Saúde que são o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC)”, ponderou o representante do IBGE. “Entre 2015 e 2021, houve redução tanto na taxa de sub-registro como nas subnotificações, com aumento percentual de sub-registro em 2020 por conta da pandemia”, complementou Trindade.

Ao finalizar o painel, o tecnologista em Informações Geográficas e Estatísticas do IBGE, Paulo César Dick, ensinou aos presentes como navegar no portal do IBGE e fazer pesquisas relacionados ao Registro Civil na luta contra o sub-registro de nascimento.

Hipossuficiência e recursos

De acordo com o Código de Processo Civil, é hipossuficiente a parte que comprovar que não está em condições de arcar com as taxas e custas exigidas para a tramitação de um processo judicial, sem prejudicar o seu sustento.

No caso do Registro Civil, a hipossuficiência envolve também os cartórios extrajudiciais, já que há cidadãos que não conseguem arcar com as despesas cobradas pelas unidades extrajudiciais. No entanto, desde a Constituição de 1988, os cartórios devem prover certidões de nascimento, casamento e óbito de forma gratuita para pessoas hipossuficientes.

De acordo com a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, Fátima Saraiva, antes da Constituição, a atividade notarial e registral era mista, remunerada pelos cofres públicos e complementadas pelos emolumentos. “Os cartórios faziam parte do Poder Judiciário, no foro extrajudicial. Com a Constituição de 88, a situação foi modificada pelo artigo 236 em que os cartórios devem prestar o serviço como uma atividade delegada do poder público”, disse a defensora.

Tabelião e registrador civil, o representante da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), Bruno César de Carvalho Coelho, explicou que há a necessidade de erradicar o sub-registro, mas que há barreiras constituídas pelo próprio sistema vigente.

“Esse sistema está funcionando muito melhor do que já foi, mas pode melhorar. O meu cartório é uma serventia distrital, sendo uma unidade deficitária. Precisamos buscar um equilíbrio. Precisamos entender que o serviço a ser prestado não pode ser precarizado”, acrescentou o registrador.

Já a juíza da Corregedoria Nacional de Justiça, Carolina Ranzolin Nerbass, invocou o artigo 5º da Constituição, afirmando que ele traz a facilitação do registro civil de nascimento e de óbito como direitos básicos para o cidadão, mas que ao mesmo tempo é necessário pensar em uma forma de remunerar adequadamente o registrador civil.

“Desde 1998, mais de 75 milhões de certidões de nascimento e óbito já foram emitidas com gratuidade. O legislador trouxe atos de gratuidade exclusivamente para o Registro Civil. É necessário achar um meio termo para que não haja uma precarização do serviço”, concluiu a magistrada.

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