Dados de cartórios apontam redução de nascimentos no estado
Já olhou ao seu redor e percebeu que a presença de recém-nascidos é cada vez menos frequente? Essa percepção é constatada por dados de cartórios baianos, responsáveis por indicar uma redução de 12% dos nascimentos no estado nos dois últimos anos, de acordo com dados da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen-BA). Este ano, foram registrados pouco mais de 161,1 mil nascimentos, contra mais de 183,8 mil registros em 2021. No ano passado, foram 173,7 mil novos registros ao todo. A explicação do fenômeno reúne vários fatores: desde um processo de urbanização intensificado a consciência e aplicação de métodos contraceptivos.
Em 2023, 161.153 registros foram emitidos na Bahia, numa redução de 12% na taxa de natalidade
Isso é o que aponta o geógrafo e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Clímaco Dias. “As cidades não dispõem de terrenos, sobretudo para moradias da classe mais baixa. Essa redução está relacionada com a urbanização, mas também em contraponto a diminuição da influência rural para formação das famílias”, explica Clímaco.
Em famílias do campo, era comum um casal ter mais de cinco filhos. É o caso da família de Josení Santos, 42 anos, mais conhecida como Kika. Nascida e criada na cidade do Conde, a 181 quilômetros de Salvador, é a caçula de uma família de sete filhos e a única que decidiu não ter filhos. Diferente da mãe, dona Maria Elita Santos,80, Kika nunca teve o sonho de ser mãe – decisão que a fez sofrer ‘puxões de orelha’ da matriarca.
“Desde pequena, nunca pensei em me casar ou ter filhos e, por isso, recebi muitas broncas da minha mãe. Nunca fui aquela pessoa que sonhava com isso. Isso não significa que não gosto de crianças”, diz.
O pensamento de menina acompanhou Kika por toda juventude e acabou sendo potencializado ainda mais com as decepções amorosas. “Para ter filho, tem que ter responsabilidade, tem que ter família. Com as decepções nos meu relacionamentos, eu decidi, de fato, que não queria ter filhos”. Foi nesse momento que os pais e irmãos foram comunicados da decisão.
As mudanças de comportamento envolvendo uma maior autonomia de feminina são apontadas como um dos fatores responsáveis por essa redução de nascimento. O caso de Kika é um exemplo disso. De acordo com Mariana Viveiros, supervisora de disseminação de informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Bahia, isso não é algo restrito ao estado, mas é fator global.
“Os padrões de comportamentos são outros. As mulheres estão mais inseridas no mercado de trabalho e estão mais envolvidas com seus estudos, suas carreiras e postergam a gravidez ou escolhem não ter filhos”, pontua.
Nesse sentido, é possível observar que o número de mães acima dos 30 anos é cada vez maior. De acordo com um levantamento do IBGE, em 2003, 20,1% dos nascimentos eram de mãe acima de 30 anos. Em 2021, esse número já era de 36,5%.
A chegada de um filho envolve a análise de um planejamento que se tornou cada vez mais corriqueiro no seio de muitas famílias, o que influencia na redução de número de nascimentos. “O número de filhos vai ter implicações em diversos aspectos, que envolvem tempo, renda e escolhas. Por isso, muitas famílias optam por ter menos filhos”, afirma.
A exemplo de Kika, a psicanalista Ana Paula Dantas, 52, nunca incluiu filhos no planejamento familiar, priorizou estudos, visando a construção de uma carreira acadêmica sólida. “Eu nunca quis ser mãe, sempre tive outros sonhos, outras prioridades. Não há um fator específico que explique muito isso. É sobre desejo, e eu nunca tive”, conta.
Ana Paula sonhou em casar, com direito a véu e grinalda, e viveu a tradicional cerimônia de casamento. Assim como a psicanalista, o esposo também não desejava ser pai. “Tivemos algumas conversas sobre isso [gravidez], mas decidimos não ser pais”, afirma a psicanalista, que, diferente de Kika, veio de uma família menor, com apenas uma única irmã, mais nova.
Queda de 20,4% em 18 anos
A queda dos últimos dois anos é uma tendência registrada há mais tempo, segundo dados do IBGE. Entre 2003 e 2021, a Bahia registrou uma queda de 20,4% em nascimentos. O estado saiu de 231.591 novos registros para 184.430. Essa queda absoluta foi registrada em todas as faixas etárias até os 29 anos, com destaque para gestantes entre 15 e 19 anos: o número saiu de 54.400 para 26.831, o que configura uma queda de 50,7%
Em contrapartida, o número absoluto de mulheres que tiveram filhos entre 35 e 39 anos cresceu em 69,5%, subiu de 14.105 para 23.908.
Envelhecimento da população
De acordo com o geógrafo Clímaco Dias, uma das principais consequências da redução de fecundidade é justamente o envelhecimento da população, o que resulta em uma sobrecarga da providência. “Nesse caso, a proporção de pessoas aposentadas pode ser muito grande. Por isso, toda hora há uma pequena reforma na previdência para suprir esse envelhecimento”, afirma.
Além disso, as cidades devem procurar se adequar à uma população idosa e, portanto, há uma exigência maior de serviços, como a mobilidade urbana. “É necessário ter modificações substanciais em cidades que sofrem com maiores índices de envelhecimento, além de consequências em questões de saúde pública”, pontua.
Nos últimos 12 anos, o total de pessoas na casa dos 60 ou mais de idade cresceu 48,9% na Bahia, de acordo com o último Censo do IBGE. Entre 2010 e 2022, foi registrado um aumento de 709.272 idosos nos estados, o que configura um total de 2.159.279 – cerca de 15,3% da população.
Essa nova configuração demográfica faz a Bahia sair da 12ª posição do ranking de estados com maiores índices de envelhecimento do país, ultrapassando Pernambuco e Ceará. Com um indicador de 52,6 idosos para 100 crianças de até 14 anos, o estado baiano figura na 10ª colocação. Os estados com maiores índices são Rio Grande do Sul (80,4/100), Rio de Janeiro (73,6/100) e Minas Gerais (68,6/100).
Menos popular
Em queda também, os registros de nascimento com o nome de Jesus caíram 70% em cinco anos na Bahia. Em 2019, o estado teve 21 registros com o nome do filho de Deus, de acordo com dados da Arpen-BA. Mais de três vezes o valor registrado este ano, quando apenas seis novos baianos ganharam o nome. A diminuição se acentuou em 2020, quando caiu para 13 novas certidões com o nome de Cristo. Teve um leve aumento no ano seguinte, com 15 ocorrências, e um novo declínio em 2022, com 7 registros do nome.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro