Por Fabiano Rabaneda dos Santos
Fabiano Rabaneda dos Santos é advogado especialista em direito de família e sucessões.
É inegável que o namoro experimentado na atualidade é pautado por uma margem de liberalidade muito maior que no passado, quando o conhecido namoro à moda antiga se fazia cauteloso e era até mesmo difícil de chegar nos beijos e abraços[1].
Notadamente, tem sido mais numerosos casos de namoro prolongado, os quais somam alguns bons anos de experiências desfrutadas no seio deste relacionamento, restando por pacífico o entendimento de que o namoro puro e simples não traz consequências jurídicas diversas daquelas que, direta ou indiretamente, aplicam-se à fase do “ficar”.
Zygmunt Bauman já apontou[2] o contexto do amor líquido, indicando que ao mesmo tempo em que parte da sociedade quer se relacionar, não quer. Ou seja, esta parcela da população busca o compromisso, mas não a cobrança: que estar com alguém, mas não a responsabilidade que uma relação implica.
O namoro, seja ele líquido ou sólido, não é, por si, um fato tutelado pelo direito assim como ocorre na união estável ou no casamento. O namoro é um relacionamento mais prático e se pauta, sobretudo, pelo envolvimento e desenvolvimento da paixão.
De particular complexidade são as situações em que estão em pauta namoros que se configuram convivência pública, contínua e duradoura entre as partes, no que passa por algum momento refletir ares de família.
É bem verdade que a publicidade, a continuidade e a durabilidade podem, também, ser encontradas nas relações de namoro e amizade, destacando entre ambos a informalidade, embora na união estável se configurará na repetição diuturna de atos de comunhão plena de vida, não só sob o ponto de vista da afetividade e intimidade.
É sabido que nesta modernidade é usual que namorados também se relacionem com habitual intimidade sexual e vivenciem repetidos momentos juntos e por conta de tais aspectos é bastante custoso delimitar os contornos de um namoro tido por qualificado – sem intenção de formar família no presente – da união estável.
É neste sentido que professora Maria Rúbia Cattoni Poffo, buscando exprimir com maior exatidão tais situações, cunhou a expressão denominada “namoro qualificado”[3], cujo instituto constitui uma etapa anterior ao casamento e à união estável o período de namoro entre os pares. É neste período que os indivíduos se conhecem e enfrentam uma fase de treino àquilo que poderá, ou não, virar uma entidade familiar – tal como um test drive da comunhão.
Complicando um pouco mais, na ritualística que antecede o casamento tradicional, num contrato formal entre a família da noiva e do noivo, o instituto do noivado estabelecia os termos do casamento e as obrigações financeiras de cada lado[4], hodiernamente visto como um período de compromisso entre um casal que decidiu se casar, sendo mais como uma forma de formalizar o compromisso e anunciar ao meio social que os envolvidos planejam se casar, podendo durar desde alguns meses até mesmo anos.
Para nossa discussão, é preponderante que namoro e noivado não caracterizam união estável. Os períodos de namoro e de noivado, que antecedem a constituição de uma relação familiar, não se confundem com a união estável.
Em comentários ao artigo 1.723 do Código Civil, Milton Paulo de Carvalho Filho, na obra Código Civil Comentado, 4 a edição, ed. Manoel, pág. 1.723, desta forma discorre acerca do requisito legal do objetivo de constituição de família:
“Não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que celebrada em contrato escrito, pública e duradoura, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família. Assim, o namoro aberto, a ”amizade colorida”, o noivado não constituem união estável. É indispensável esse elemento subjetivo para a configuração da união estável.”
Nos termos do CC/artigo 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
O relacionamento amoroso qualificado como noivado é pautado pela ausência dos requisitos do artigo 1.723 do Código Civil já que se insere no rol de providências pré-matrimoniais. O noivado não se confunde com união estável já que se constitui em fase entre o namoro e o matrimônio, no que para a configuração da união estável se exige situação fática consolidada no tempo e que reúna os atributos previstos em lei.
O noivado se traduz como a preparação à condição de casados, se configurando uma ocasião de preparação para o ingresso na vida matrimonial, mas de forma alguma podendo ser confundida com ela: é um mero desejo projetado de ingresso no casamento, o que é o mesmo que dizer que não se encontram na condição de casados.
O título honorífico noiva é diferente de esposa ou companheira, inclusive a união estável só pode ser classificada como um ato jurídico se composto por manifestação de vontade e por suporte fático que a complete, exigindo – necessariamente – o compartilhamento de vidas e esforços com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes.
A projeção à formação de uma família fruto do interesse noticiado pelo afigura-se insuficiente à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável.
Não é possível conceber a ampliação do conceito de união estável a ponto de extinguir a figura do namoro ou do noivado, já que se trata de medida incompatível com a realidade, visto que a sociedade brasileira ainda procura relacionamentos líquidos e não menos… voláteis.
Transmutar o namoro ou as etapas que antecedem o casamento, como o noivado, em união estável pode, paradoxalmente, contribuir para a redução da própria dignidade da pessoa humana, sobretudo no tocante ao exercício da autonomia privada do casal.
É evidente que não é qualquer relação amorosa que se possa caracterizar como união estável, mesmo que celebrada em contrato escrito, pública e duradoura, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família, da mesma forma que o namoro aberto e o noivado não se constituem em união estável.
É evidente que se as partes não ostentam os requisitos do CC/artigo 1.723, vez que firmada intenção de noivado para futuro casamento, em vez de união estável, não há que se antecipar por reconhecimento de união estável a constituição de família que ainda virá.
“A Constituição Federal prevê que a família tem especial proteção do Estado e que a união estável é reconhecida como entidade familiar (art. 226, § 3º). Para configuração da união estável, é necessária a presença concomitante de requisitos como: convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (Art. 1723, Código Civil). Com efeito, a intenção de constituir família no futuro não é suficiente, por si só, para a caracterização da união estável. A união estável possui como requisito indispensável o objetivo de constituir família, no presente, no momento em que as partes vivem. Os planos futuros, por outro lado, caracterizam o que a doutrina chama de “namoro qualificado”, que apesar de possuir muitas semelhanças com a união estável, com esta não se confunde.” (TJ-SP – AC: 10091649120188260114 SP 1009164-91.2018.8.26.0114, Relator: Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, Data de Julgamento: 29/03/2021, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/03/2021)
Logo, apartam-se da configuração de união estável os casos de simples namoro ou noivado, ainda que por tempo prolongado, que antecedem ao objetivo maior de união à moda conjugal[5], o que, efetivamente, se conclui que mesmo que se prevaleça a existência de relacionamento amoroso entre os envolvidos e definido por ambos como noivado, visando plano futuro de casamento, não há que se configurar de forma alguma como união estável pela falta do elemento objetivo da presente constituição de família.
Destaca-se, portanto, a união estável, por sua distinção majoritariamente subjetiva em relação ao namoro, bem como em relação ao noivado e o casamento, visto que em relação ao namoro em sucinta diferenciação, destaca-se a inexistência de requisitos familiares que a união estável possui, de modo que não se vislumbra um projeto imediato de família.
Então, por absoluta falta de previsão legal para que o noivado seja compreendido por casamento ou união estável, sequer se constitui em namoro qualificado, eis que já a um passo superior ao namoro e anterior ao casamento.
Embora não tenha efeito jurídico imediato, o noivado pode gerar obrigação de indenização pela quebra do compromisso solene havido entre as partes, relacionado jurisprudencialmente ao pagamento pelos danos materiais advindos do cancelamento da cerimônia matrimonial, nada mais: o rompimento imotivado ou injustificado (não tem mais vontade de casar-se), por si só, não dá direito a indenização moral.
Querer comparar o noivado à união estável ou ao casamento e exigir efeitos patrimoniais decorrentes de tais institutos é proposta descabida para o direito brasileiro e atenta contra a própria instituição da família que se pretende preservar o texto constitucional.
Bibliografia estudada.
BAUMAN, Z. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução de Leandro Konder. In: MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas, Volume 3. São Paulo: Alfa-Omega, s/d, p. 7-143.
OLIVEIRA, Euclides de. União Estável do Concubinato ao Casamento. Editora Paloma, 2001.
OLIVEIRA, Euclides de. A escalada do afeto no direito de família: ficar, namorar, conviver, casar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e dignidade humana: anais V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 328/329.
POFFO, Mara Rúbia Cattoni. Inexistência de união estável em namoro qualificado. IBDFAM.(https://ibdfam.org.br/artigos/601/Inexistência+de+união+estável+em+namoro+qualificado)
[1] OLIVEIRA, Euclides de. A escalada do afeto no direito de família: ficar, namorar, conviver, casar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e dignidade humana: anais V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 328/329.
[2] BAUMAN, Z. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
[3] POFFO, Mara Rúbia Cattoni. Inexistência de união estável em namoro qualificado. IBDFAM. (https://ibdfam.org.br/artigos/601/Inexistência+de+união+estável+em+namoro+qualificado)
[4] ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução de Leandro Konder. In: MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas, Volume 3. São Paulo: Alfa-Omega, s/d, p. 7-143.
[5] OLIVEIRA, Euclides de. União Estável do Concubinato ao Casamento. Editora Paloma, 2001.
Fonte: IBDFAM