Juiz autoriza que menor não-binário tenha o nome alterado no registro civil

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O juiz de direito da Vara de Registros Públicos da Comarca de Salvador (BA), Dr. Gilberto Bahia de Oliveira, concedendo a tutela antecipada em ação ajuizada pela Defensoria Pública Estadual, determinou que o Registro Civil promova a mudança de prenome de menor impúbere que se autodetermina como não-binário.

Segundo a decisão, a parte autora, apesar da pouca idade, já se encontra envolta em um turbilhão emocional de tal ordem, que representada por seus genitores, busca guarida na justiça para modificar o seu prenome, por compreender este último como neutro.

Em sua análise, o magistrado narra que durante a instrução processual, ficou patente o elevado grau de angústia, medo e aflição vivenciados pelos genitores da requerente, “por conta de uma sociedade que verdadeiramente não se encontra preparada para acolher pessoas que fogem aos ditos padrões comportamentais”.

“Ora, quando estamos diante de uma situação deste jaez, imprescindível a aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que tem todos os seus direitos resguardados constitucionalmente. Dentro deste mister, e porque não há um conceito pré-definido acerca do melhor interesse da criança, é permitido que a norma seja adaptada conforme as imprevisibilidades e especificidades de cada situação”, diz trecho da decisão.

Para Gilberto Bahia, “essa preocupação acerca do melhor interesse da criança e do adolescente é primordial, vez que tem como objetivo maior zelar pela sua boa formação moral, social e psíquica”.

O juiz ainda acrescenta que o fato da parte autora ser menor impúbere não pode configurar fato impeditivo para a modificação do seu prenome, na medida em que a sua firme determinação, amparada pelo apoio incondicional dos seus genitores,  configuram elementos capazes de superar qualquer obstáculo para a mudança pretendida, considerando que a situação é de suma gravidade e poderá comprometer de forma irremediável a pré-adolescência ao longo do seu caminhar vida a fora e deixar abismos emocionais intransponíveis.

A decisão também ressalta as recentes alterações trazidas pela Lei nº 14.382/2022, notadamente, quanto a possiblidade de alteração extrajudicial de prenome, sem qualquer justificativa, simplesmente por ser um elemento identificador das pessoas na sociedade.

“O direito ao nome é uma ramificação do direito da personalidade, intrínseco à pessoa humana. Assim, todo brasileiro tem não só o direito a um nome, mas o de se identificar e gostar do próprio prenome, sendo que esse direito encontra lastro no princípio da dignidade humana”, destaca Gilberto Bahia.

Além da autorização de mudança de prenome, foi concedida, ainda, medida liminar para determinar a rematrícula da menor na instituição de ensino da qual ela havia sido indevidamente afastada.

Quanto ao pedido de adequação de gênero, numa segunda decisão, o juiz pondera que “estudos recentes vem apontando que crianças e adolescentes que não se identificam com seu gênero atribuído podem apresentar índices de depressão, suicídio e automutilação mais altos que o restante. Precisam de um total acolhimento através de profissionais especializados, no que se convencionou chamar de atendimento afirmativo de gênero, que pode incluir terapia para cuidar da saúde mental e tratamentos hormonais. Considero, pois, que estas decisões devem ser tomadas por um conjunto formado por médicos, psicólogos, pela criança/adolescente e seus pais, jamais, de forma isolada por governantes ou órgãos do poder público”.

Ao final, reconheceu a incompetência da Vara de Registros Públicos e determinou a remessa do feito à 1ª Vara da Infância e da Juventude, para que a menor possa receber “todo o acolhimento necessário no encaminhamento da questão de gênero, que tenha uma ação de aproximação, um ‘estar com’ e um ‘estar perto de’, ou seja, uma atitude de inclusão, e a referida unidade jurisdicional é dotada de profissionais de assessoramento multidisciplinar, formando um  time com diferentes tipos de profissionais, com habilidades técnicas diversas, perfis comportamentais variados, vivências e experiências distintas um dos outros, suficientes a fornecer ao magistrado todos os elementos para bem decidir a questão”, decidiu.

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